Se em 2021 os Estados Unidos apresentaram o maior crescimento percentual do Produto Interno Bruto (PIB) desde 1984, de 5,7%, agora o mercado tem piorado cada vez mais as perspectivas para o país em 2023, fazendo uma palavra temida voltar às discussões: recessão.
Instituições financeiras respeitadas no mercado, como o Goldman Sachs, o Citigroup e o Bank of America, aumentaram recentemente suas previsões em relação às chances de a maior economia do mundo registrar uma contração no ano que vem. Em geral, as probabilidades apontadas por essas instituições variam entre 30% e 40%.
Exatamente pelo seu tamanho, uma contração da economia norte-americana teria um efeito em cadeia no mundo, o que significa que o Brasil não escaparia ileso. A crise global de 2008, por exemplo, começou nos Estados Unidos antes de se disseminar, assim como a de 1929.
Isso não significa, porém, que todos os países seriam atingidos na mesma intensidade. No caso do Brasil, especialistas consultados pelo CNN Brasil Business apontam que algumas características econômicas podem limitar os danos, mas os estragos dependerão de fatores externos e internos ainda incertos.
Cenário nos EUA
Alberto Ramos, economista do Goldman Sachs para a América Latina, aponta que a instituição subiu recentemente a porcentagem para a chance de a economia dos Estados Unidos entrar em recessão em 2023 ou 2024, e agora é de 48%, ante 35% anteriormente.
Segundo ele, o aumento ocorreu devido à alta significativa das restrições das condições financeiras do país devido ao ciclo de alta de juros do Federal Reserve iniciado em março de 2022.
O movimento mais recente foi uma alta de 0,75 ponto percentual nos juros, a maior desde 1994, deixando em aberto a possibilidade de realizar outra elevação nessa magnitude. Com isso, o mercado passou a projetar uma desaceleração econômica ainda maior, o que gerou os temores de uma recessão.
“O Fed está tentando caminhar em uma via estreita, de trazer inflação para baixo e reequilibrar um mercado de trabalho muito aquecido. É uma calibragem fina, e nem sempre dá para fazer sem levar a uma recessão no curto prazo”, avalia.
Ramos ressalta que, analisando dados históricos, não houve uma situação em que a taxa de desemprego de um país aumentou mais de três percentuais sem levar o país a uma recessão. Por isso, a tentativa dos Estados Unidos de ter uma “aterrissagem suave” é difícil.
André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, destaca que, até o momento, a mediana de projeções do mercado ainda não apontam uma recessão, mas o cenário pode “mudar rapidamente pela expectativa de aperto monetário mais agudo”.
“A leitura agora é que, para controlar a inflação, que foge da política monetária, precisa de aperto maior, e aí desacelera mais a economia”, diz.
O desafio do banco central, na visão dele, é conciliar uma desaceleração econômica, que conteria o nível mais alto de inflação em 40 anos, com uma geração de desemprego que prejudicaria a economia. A tendência no mercado tem sido apostar que a autarquia falhará.
Já Livio Ribeiro, pesquisador do Ibre-FGV, afirma que há uma necessidade de que o crescimento nos Estados Unidos desacelere para um nível inferior ao que poderia, mas isso não significa que ela precisa entrar em recessão também.
“A probabilidade hoje de ocorrer é baixo. O ponto é que pode ter um cenário com desaceleração pontualmente mais pronunciada, o que já seria perigosa”, diz.
O cenário norte-americano é ainda pior na visão de Ribeiro porque, ao mesmo tempo em que o país realiza uma restrição monetária via juros, também está cortando um impulso fiscal realizado durante a pandemia e um “aperto quantitativo”, termo que resume a redução do seu balanço.
Combinando isso, o movimento tende a ampliar a potência dos danos às condições financeiras. É uma dúvida, pode não levar a uma recessão, mas a calibragem demanda cuidado, está puxando muitos freios ao mesmo tempo
Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV IBRE
Efeitos no Brasil
Para Ribeiro, antes de discutir o efeito de uma possível recessão, é importante lembrar que a própria desaceleração da economia dos Estados Unidos e o aperto de condições financeiras já afetaria os países emergentes, incluindo o Brasil.
“O problema é que levaria a uma alta de juros a nível global. Por si, torna o cenário mais desafiador, e com a inflação dando sinais de manutenção, e não desaceleração, fica ainda pior. É um tom de estagflação, com confluência de redução de crescimento e inflação”, diz.
Além disso, haveria uma elevação da incerteza global, o que impactaria ativos de países emergentes com uma retirada de investimentos.
O pesquisador avalia que o “timing” de uma possível crise econômica nos Estados Unidos é infeliz devido aos próprios desafios domésticos brasileiros, em especial com a eleição presidencial neste ano. “O próximo governo vai ter desafios importantes na seara doméstica. O cenário internacional ruim piora ainda mais”.
Entre os problemas trazidos por uma recessão, ele cita uma redução no comércio, exportação para os Estados Unidos e outros países e, principalmente, uma queda nos preços das commodities pela redução de demanda.
Ele destaca que o Brasil não costuma “descolar do ciclo global”. Ou seja, se o cenário piorar lá fora, tender a piorar internamente.
Na FGV, a previsão é que o Produto Interno Bruto (PIB) de 2023 já seja ruim devido ao cenário de restrição monetária, mas ele opina que não é possível ligar diretamente uma recessão nos Estados Unidos com uma no Brasil, apesar de o risco aumentar.
Ramos, do Goldman Sachs, também afirma que o impacto para o Brasil seria negativo. Mesmo assim, ele avalia que o desempenho da economia brasileira no próximo ano dependerá muito mais de fatores domésticos, como o resultado das eleições, que externos.
Para ele, a recessão nos Estados Unidos levaria a uma tendência de fortalecimento do dólar, mas a projeção de que a taxa Selic continuará acima dos dois dígitos em 2023 reduziria esse espaço de valorização.
“O Copom provavelmente precisará manter uma política mais restritiva por mais tempo, e talvez exija cortes no Orçamento. Poderia cortar juros no segundo semestre, mas fica mais difícil com uma recessão”, afirma.
Segundo Perfeito, o principal impacto da recessão seria pela balança comercial, com redução de exportação para o país. Entretanto, a resiliência da balança em meio aos lockdowns recentes na China, um parceiro mais importante, indica que os efeitos podem ser menores.
“O que talvez seja ruim é que a recessão seria antecipada, não vão deixar a inflação gerar recessão, vão antecipar para controlar via alta de juros, e essa alta pode gerar efeitos piores para o Brasil”, avalia.
Ele cita consequências como uma redução de investimentos e, caso a política monetária for eficaz, controle de preços de commodities. Nesse sentido, os elementos que levariam à recessão nos Estados Unidos prejudicariam o Brasil mais que a recessão em si.
“A recessão pode prejudicar recuperação, crescimento, mas estamos adiantados nesse processo de alta de juros, e devemos cortar antes. Para 2023, precisa ponderar como seria o governo, entender o que vai fazer na parte fiscal. Pode gastar mais em um primeiro momento e ajudar PIB no curto prazo, ou podem não gastar, cortar e aí prejudicar o PIB”, pondera.
China e Estados Unidos
Perfeito afirma que, apesar da recessão dos Estados Unidos gerar preocupação, o impacto seria bem menor do que se o problema fosse na China.
“A nossa economia interage menos com a dos Estados Unidos, não é mais o maior parceiro comercial, e nossos juros estão em patamar confortável, com níveis de reservas bons, tudo isso cria uma perspectiva mais de blindagem, mas tudo vai depender do resultado das eleições”, diz.
Livio Ribeiro, do Ibre, avalia que crises na China e nos Estados Unidos teriam efeitos distintos. No caso chinês, o impacto maior seria pela queda dos preços de commodities, redução de balanço e valorização do dólar.
“O problema nos Estados Unidos é mais que cria um ambiente global muito pior, então é menos direta, mas cria um pano de fundo que torna os desafios maiores”, afirma.
Para o economista do Goldman Sachs, a desaceleração nos Estados Unidos impactaria mais países com fluxo de comércio mais intenso, como México e Colômbia, do que o Brasil, que é mais próximo da China.
Ele pontua, porém, que “o que exportamos para a China são commodities, e se não vende, pode vender em outros mercados, o local em si não importa, mas sim o preço. A China desacelerando impacta Brasil não necessariamente por perder mercado, mas sim por reduzir preços de commodities”.
Já no caso dos Estados Unidos, é mais difícil achar outros mercados para exportar os produtos brasileiros mais comprados e, portanto, os danos poderiam ser maiores.
“Tudo isso é questão de grau. Quanto mais profunda for a recessão nos Estados Unidos, pior, e poderia compensar qualquer desaceleração suave na China”, diz.
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