Com a perspectiva de queda dos juros a partir deste semestre – a próxima reunião do Copom acontece no início de agosto, e a previsão é de um corte inicial de 0,25 ponto porcentual -, os gestores apostam em forte retomada de captações no segmento de fundos de investimento imobiliários (FIIs). A estimativa é de que os novos aportes possam superar os R$ 30 bilhões no ano, ante R$ 21,4 bilhões em 2022.

Entre janeiro e junho, as captações somaram R$ 6,3 bilhões, um volume ainda tímido. No entanto, existem hoje R$ 12,2 bilhões em ofertas protocoladas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), totalizando R$ 18,5 bilhões, o que indica um reaquecimento do setor, de acordo com levantamento do sócio e presidente da Hedge Investments, André Freitas, considerando fundos listados e não listados. “Estamos vendo um movimento de recomposição do valor de mercado dos fundos, o que ajuda a destravar as emissões. O grande gatilho é a baixa dos juros”, diz Freitas.

Os FIIs são um instrumento para quem pretende investir no setor imobiliário, mas quer fugir da compra direta de um imóvel. Por meio de em Bolsa, ele pode comprar cotas de um fundo administrado por um banco.

 

Com a inflação em baixa e a iminência de corte da Selic, investidores que haviam migrado para a renda fixa atrás de melhor remuneração voltaram a destinar parte dos aportes à renda variável. Tanto que o chamado Índice de Fundos Imobiliários (Ifix), da Bolsa, já subiu 11% este ano, com a alta concentrada a partir do mês de abril. Até então, o Ifix havia caído cerca de 4% no ano por conta das turbulências na economia nos primeiros meses de 2023 – e a preocupação com o rumo que o governo daria para questões como o novo teto fiscal e a reforma tributária.

Categoria voltada à construção e à exploração comercial ganha espaço

Os números recentes da indústria de fundos imobiliários mostram que, entre as categorias de fundos de investimento imobiliários, os chamados “fundos de tijolos” voltaram a ganhar participação nas ofertas – que, com os juros altos dos últimos anos, foram dominadas pelos “fundos de papel”.

Fundos de tijolo são aqueles que investem os recursos dos cotistas na construção ou exploração de imóveis comerciais dos mais diversos tipos. Já os FIIs de papel direcionam o patrimônio para aplicações financeiras com lastro em operações do setor imobiliário, como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e cotas de outros FIIs.

 

Segundo os especialistas, os fundos mais propícios hoje para fazer emissões de cotas são dos setores de renda urbana, shoppings e logística. Depois, vêm os fundos de fundos (que aplicam o patrimônio de seus cotistas exclusivamente em cotas de outros fundos imobiliários), os CRIs. No da fila estão os fundos de prédios corporativos – que sofrem com a falta de inquilinos e a perda de aluguéis desde a pandemia.

A maior captação em andamento é a do fundo CSHG Logística, com um total de R$ 1,4 bilhão, dos quais R$ 960 milhões já foram levantados. O dinheiro irá para a compra de quatro galpões do fundo GTIS Brazil Logistics. Outro grande movimento ocorreu em maio, com R$ 400 milhões levantados pelo novo fundo BTG Pactual para a compra de galpões da Log Commercial Properties, empresa da família Menin.

A XP também teve sucesso na atração de recursos para o setor de centers. O fundo XP Malls levantou R$ 375 milhões em junho, e decidiu abrir uma nova oferta em razão da demanda extra de investidores. O dinheiro vai para compra de participação em vários empreendimentos, como o shopping Cidade .

 

‘Ciclo virtuoso’

O sócio e gestor de fundos imobiliários da Vinci Partners, Leandro Bousquet, espera um volume crescente de emissões de cotas daqui para frente. “Acho que o segundo semestre vai ter um volume grande de captações. Não me surpreenderia se passasse de R$ 30 bilhões no ano”, afirma. Ele também vê os fundos de renda urbana, logística e shoppings em vantagem para novos lançamentos

Bousquet avalia que a conjuntura favorável – com inflação controlada, juros em queda, reforma tributária e estabilidade política – vai gerar um movimento duradouro de alta. O ciclo virtuoso começa com a valorização das cotas no mercado, destravando novas emissões. Em seguida, o dinheiro captado vai para aquisições de empreendimentos (shopping centers, galpões, prédios de escritórios, entre outros), levando a uma valorização do patrimônio em si.

“Tenho convicção de que, desde meados do segundo trimestre, entramos em um ciclo positivo que deve durar de três a cinco anos. Não significa que o ciclo será linear, mas, sim, deve ter apreciação dos ativos ao longo desse período”, estima. Apesar da valorização recente na Bolsa, ainda há espaço para mais ganhos, prevê. “Nem de longe o setor está precificado. Os fundos estão descontados, e o momento de precificar só começou”, diz o gestor da Vinci, lembrando que os ativos chegaram a registrar ágio (valor de mercado acima do patrimonial) de 10% a 20% antes do estouro da pandemia.

O sócio da gestora Brei, Vitor Bidetti, também crê em uma retomada duradoura. “É uma retomada sustentável porque os principais elementos estão convergindo positivamente. Hoje, a inflação está controlada, e a taxa de juros futura aponta para baixo. O arcabouço fiscal está dado, a reforma tributária está sendo lapidada e vai ajudar mais. Dentro desse cenário, há uma perspectiva de ciclo longo e positivo para a indústria de fundos”, avalia.

Bidetti também acredita que o movimento de valorização das cotas e de retomada das captações está só no começo e tende a ganhar musculatura. Na sua visão, para que haja uma reversão dessa tendência teria de ocorrer algo negativo e com impacto macroeconômico muito relevante – como foi a pandemia. “Para dar errado, só se aparecer um cisne negro, algo fora do radar.”

Retomada abre caminho para consolidação do setor

Os recursos obtidos pelos “fundos de tijolos” nessa onda de captações que se aproxima será usada, principalmente, para a aquisição de imóveis que hoje estão nas mãos de empresas desenvolvedoras de propriedades comerciais e também nas mãos de outros FIIs – o que deve caracterizar o princípio de uma consolidação da indústria de fundos.

Na visão do especialista de investimentos da Suno, Marcos Correa, haverá uma espécie de “seleção natural” no mercado com a liquidação de fundos menos expressivos. “O Brasil tem muitas gestoras e muitos fundos. Os ativos imobiliários estão espalhados. Mas se olharmos com uma lente, tem muitos fundos pequenos, com poucos ativos e gestão passiva. Por sua vez, os fundos grandes e mais capitalizados enxergam aí uma oportunidade de comprar o portfólio inteiro dos fundos menores, que podem deixar de existir, como já vem acontecendo”, diz ele.

Um exemplo é a oferta de R$ 1,4 bilhão do CSHG Logística para arrematar todo o portfólio de quatro galpões de outro fundo, o GTIS Brazil Logistics, que tem unidades situadas na região metropolitana de São Paulo (Embu, Barueri e Cajamar), áreas consideradas o filé para essas operações.