Roseli é proprietária da Fazenda Barra, sobreposta à Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu, no município de Antônio João
Proprietária de fazenda onde o indígena Guarani Kaiowá foi morto nesta quarta (18) foi indicada como “especialista” para conciliação do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a Lei do Marco Temporal (Lei 14.701/2023). A ruralista Roseli Ruiz poderá deve participar da quarta audiência sobre as cinco ações que discutem a constitucionalidade da lei, na próxima segunda-feira (23).
Roseli é proprietária da Fazenda Barra, sobreposta à Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu, no município de Antônio João (MS), onde o indígena Neri Gomes Guarani Kaiowá, de 23 anos, foi morto durante confrontou com a Polícia Militar (PM).
Conforme divulgação do Cimi (Conselho Missionário Indigenista), ela foi indicada como “experta” pelo Partido Liberal (PL) e pelo Republicanos, que ingressaram com uma das ações que deram origem à mesa instituída pelo ministro Gilmar Mendes, que terá a palavra final sobre as indicações.
“O histórico de conflitos da família de Roseli Ruiz com os Kaiowá e Guarani é longo e remonta ao assassinato de Simeão Vilhalva, morto em 29 de agosto de 2015 no mesmo local, após uma violenta ação de fazendeiros e jagunços armados, que partiram da sede do Sindicato Rural de Antônio João, então presidido por Roseli, conforme relatado inclusive pela imprensa à época”, divulgou o Cimi.
Filha de Roseli ocupa cargo no alto escalão da Casa Civil de MS
Roseli é mãe da advogada Luana Ruiz, que defende os próprios pais em ação judicial que tramita há um ano na 1ª Vara Federal de Ponta Porã, contra a Comunidade Indígena Guarani Kaiowá. Conforme já apurado em outro momento pelo Midiamax, Luana ocupa cargo no alto escalão do Governo de Mato Grosso do Sul desde janeiro de 2023. Atualmente, está na Casa Civil de MS.
De janeiro de 2023 a julho de 2024, Luana Ruiz ocupou o cargo de chefe de gabinete na Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística, com remuneração de R$ 21,7 mil. Em agosto de 2024, foi nomeada como assessora especial na Casa Civil, com salário de R$ 22 mil.
Disputa por terras é antiga
Ainda conforme levantamento do Cimi, a TI Nhanderu Marangatu foi homologada em 2005 com 9,3 mil hectares. No mesmo ano, porém, a homologação presidencial foi suspensa por decisão liminar do STF a pedido dos fazendeiros, entre eles Roseli Ruiz. A decisão foi contestada pelos indígenas e o processo segue sem julgamento definitivo.
Na última quinta-feira (12), quase vinte anos depois, cansados de esperar que o STF reinicie o julgamento da ação, os Guarani e Kaiowá tentaram mais uma vez a retomada da área – a única parte da TI que ainda não está sob a posse dos indígenas.
O conflito ficou mais tenso em decorrência de uma decisão da Justiça Federal de Ponta Porã (MS) que autoriza a Polícia Militar do Mato Grosso do Sul a proteger a propriedade da ruralista, com rondas ostensivas e mantendo um pelotão na sede da fazenda 24 horas por dia. Essa equipes protegem a área há cerca de um ano.
Ainda na quinta-feira (12), três indígenas ficaram feridos – dois por disparos de bala de borracha e uma, atingida no joelho por disparo de arma de fogo.
Indígena ferida pode perder a perna
Uma indígena, de 32 anos, ferida a tiros durante conflito com a PM (Polícia Militar) na região da fazenda Barra, em Antônio João, corre risco de perder a perna. Ela está internada desde quinta-feira (12), quando houve o conflito enquanto a comunidade ocupava a região. Os indígenas atearam fogo em uma ponte e os agentes atiraram com bala de borracha para impedir a entrada na fazenda.
Durante o conflito na região, dois indígenas foram presos, mas liberados neste domingo (15), informou o Cimi (Conselho Indigenista Missionário).
A indígena internada foi ferida no joelho e permanece aos cuidados médicos no hospital de Ponta Porã. “[Está] com risco de perder parte da perna, mas com cirurgia marcada para quinta-feira”, afirmou o conselho ao Jornal Midiamax.
Justiça Federal mantém policiais na área
Após a morte do indígena, a Justiça Federal manteve decisão que autoriza o “policiamento ostensivo”. O juiz federal Cristiano Harasymowicz de Almeida justifica a decisão sob a prerrogativa de proteção à Fazenda Barra.
O conflito já ganha repercussão nacional, em razão da violência contra os povos indígenas locais. Ainda devido à movimentação, indígenas estariam sendo impedidos de acessar água no córrego das proximidades da comunidade.
Entretanto, na mesma decisão o magistrado determinou que deve “ser garantido o acesso à água, por meio do Córrego Estrelinha, à Comunidade Indígena, respeitados os limites da propriedade privada, devendo as forças de segurança presentes no local se abster de dificultar ou impedir tal acesso”.
Quanto à força policial, a decisão assinada pelo juiz federal Cristiano Harasymowicz de Almeida determina que “o policiamento ostensivo na região deve ser mantido, tanto pela Polícia Militar, quanto pela Força Nacional de Segurança, para garantia da ordem e da segurança”.
Afastamento do policial que disparou contra Neri
A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, ligou pessoalmente para o governador Eduardo Riedel, pedindo o afastamento e devida responsabilização do policial que disparou um tiro e matou um indígena.
A informação consta em nota oficial emitida pelo Ministério dos Povos Indígenas, que fala em “conduta inadmissível e violenta que tirou a vida de Neri Guarani Kaiowá”. O Ministério também enviou ofício à Polícia Federal pedindo pronta investigação e realização de perícias sobre a atuação da PM do estado.
O Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União também foram acionados para que todas as providências legais sejam adotadas. No momento, uma equipe do MPI se prepara para se deslocar a campo. A Força Nacional está no local para reforçar a segurança dos indígenas.
Sobre a morte de um indígena em conflito de terra, que deixou outras duas pessoas feridas, o Ministério declara “profundo pesar e indignação por mais uma vida indígena perdida em ação daqueles que deveriam garantir sua segurança”.