Especialista em Educação da Unesco defende novos modelos: menos controle e punição e mais autonomia e desenvolvimento das crianças
São Paulo – A pandemia do novo coronavírus levou à suspensão das aulas presenciais de estudantes por todo o mundo. Sem vacina eficiente e, em muitos países, como o Brasil, com a pandemia descontrolada, o ambiente confinado da escola pode funcionar como foco de contágio incontrolável do vírus. As dificuldades de se levar a cultura da aula convencional para o ensino forçado à distância estimula pesquisadores a se debruçar sobre o “novo normal” e tentar planejar novas soluções para o universo escola no pós-pandemia.
O momento de incertezas pode ser uma janela para se repensar o modelo escolar padrão, onde alunos permanecem horas confinados e vigiados em salas pequenas com vidros nas janelas. A coordenadora de Formação do Escritório para a América Latina do Instituto Internacional de Planejamento da Educação (IIPE) da Unesco, Gladys Kochen, conversou com a RBA, de seu escritório em Buenos Aires, sobre os novos desafios da educação presencial.
“A situação de pandemia oferece a possibilidade de ver que as disciplinas escolares também podem ser desenvolvidas no cotidiano. E que é necessário a escola se abrir como um lugar muito mais colaborativo com a família”, disse. Gladys cita estudos do psicopedagogo italiano Francesco Tonucci, que participou de um debate na última semana com demais especialistas em Educação.
O pensamento está justamente na construção de um novo modelo, em que sejam utilizados espaços coletivos, corredores, quadras, praças e casas. Um envolvimento maior entre a comunidade e a formação educacional dos jovens, a partir das novas necessidades diante da pandemia. “Francesco pensa sobre como sair de um modelo educacional muito tradicional para passar o foco para o protagonismo das crianças”, disse.
Crianças protagonistas
Francesco Tonucci é criador de um projeto chamado A Cidade das Crianças, por meio do qual ouve protagonistas do tema. Nos últimos meses, após consolidar resultados de pesquisas feitas neste período, o psicopedagogo ampliou sua defesa na autonomia das crianças.
“Quando a pandemia começou todos voltaram suas preocupações aos mais velhos. Muitos mais velhos morreram. Meus colegas”, disse Tonucci. “Quando a preocupação se voltou ao grupo frágil das crianças, psicólogos, pais, professores e pedagogos passaram a dar conselhos e opiniões sobre o tema. Mas ninguém se preocupou em perguntar para as crianças”, criticou.
Tonucci completa: “Se a escola, por definição, é um lugar do território social que tem como objetivo a transmissão dos saberes socialmente significativos, hoje podemos imaginar que os métodos e os saberes terão de mudar”.
Gladys concorda com o pedagogo e clama pela necessidade de autonomia das crianças, fora de um modelo de vigiar e punir. “Para crescer, é preciso liberdade. Se a criança se sente controlada todo o tempo, é provável que ela não possa brincar e se desenvolver livremente. O ponto, portanto, não é controlar, mas confiar nas crianças e acompanhá-las no desenvolvimento da infância”, disse.
Construção cidadã
As dúvidas que pairam entre docentes, pais e crianças podem encontrar respostas em novos modelos educacionais, defende Gladys. “Quando se pensa na casa como laboratório, ou na escola como laboratório, como diz Francesco, se pensa que o conhecimento não é absoluto, mas se constrói de maneira coletiva”, disse.
Um dos pontos está justamente no aprendizado pela alteridade – as diferenças – e na compreensão do ambiente social. “O exercício é pensar na construção do conhecimento a partir da diversidade do outro, e não na homogeneidade (…). A escola, durante muitos anos, fez pensar e formou docentes focados na construção de algo homogêneo. Então, não puderam responder a novas perguntas e novos modelos culturais.”
Logo, novos modelos devem privilegiar uma construção cidadã, para além do conteúdo forçado que tem como único objetivo a formação de um trabalhador, e não um cidadão em toda sua complexidade. “É necessário que a escola se abra como um lugar muito mais colaborativo com os pais para mudar a ótica, para que a educação vá para além da perspectiva curricular”, defendeu a coordenadora.
“Temos de encontrar novos parâmetros de análise para poder avaliar quais as habilidades que as crianças ganharam no tempo de confinamento, enquanto aprendizagem. É importante recuperar, com critérios não tradicionais, o que aprenderam, e dar valor de qualidade educativa a tais conhecimentos, para que possam ser ressignificados, mesmo que não sejam estritamente comparáveis aos conteúdos curriculares”, completou Gladys.
Fonte: RBA