Dados analisados pelo módulo de pouso InSight indicam que Marte tem detalhes diferentes do que se pensava: seu núcleo pode ser maior, seu manto, mais denso e sua crosta, mais fina do que se pensava em estimativas anteriores tiradas por cientistas.

Segundo os cientistas por trás do InSight (sigla em inglês para “Exploração Interior usando Investigações Sísmicas, Geodésia e Transporte de Calor”), os novos resultados podem não apenas nos ajudar a compreender melhor o passado e presente de Marte, mas também estimar formações em outros planetas de constituição mais rochosa.

Imagem mostra rachadura no chão vinda de terremotos. Análises de tremores em Marte indicam que seu núcleo é bem maior do que pensávamos
Terremotos em Marte geraram estimativas diferentes do que imaginávamos sobre o tamanho da crosta, manto e núcleo do planeta vermelho. Imagem: Karen Grigoryan/Shutterstock

“Isso é como ter uma caixinha trancada e tentar determinar o que há dentro dela apenas com algumas informações gerais do lado de fora”, disse Brigitte Knapmeyer-Endrun, uma pesquisadora da Universidade de Colônia, na Alemanha, e autora principal de um dos três estudos baseados nos dados do módulo InSight.

Segundo a especialista, a sismologia é algo relativamente jovem, com a ciência tendo começado na Terra apenas em 1889 ao investigar o terremoto que deu origem ao Japão. Depois, astronautas da Apollo posicionaram sensores na Lua, mas a captação sísmica destes era limitada a algumas ondas específicas.

Por isso, planetas e corpos de concepção rochosa ainda são um mistério para nós. No caso dos terremotos de Marte e o impacto disso em seu núcleo, cientistas vinham estudando o assunto por meio do impacto de meteoritos, exploração da superfície e observações gravitacionais e magnéticas de orbitadores – tudo no intuito de especular de forma aprofundada sobre o que é o interior do planeta vermelho.

Anteriormente, modelos científicos estipulavam que a crosta de Marte tinha espessura de 110 quilômetros (km) – bem mais grossa do que a da Terra, que fica entre 5 e 70 km. Agora, graças a uma análise mais aprofundada das ondas de choque (especificamente, ondas primárias – ou “P” – e secundárias – ou “S”), é possível determinar pontos de origem dos tremores.

Funciona assim: no evento de um terremoto (“martemoto”?), as ondas P e S viajam em rotas perpendiculares entre si. Isso significa que, ao percorrer seus trajetos de volta ao seus pontos de origem, elas eventualmente se cruzam. Esse ponto de cruzamento é o epicentro – ou ponto de início – do tremor.

“O que é certo é que, sob o módulo InSight, nós temos pelo menos duas camadas da crosta”, disse Knapmeyer-Edrun. A camada mais próxima tem espessura aproximada de 10 km, com as ondas viajando por ela bem mais lentamente do que se pensava antigamente. “A camada mais alta é provavelmente fraturada por repetidos impactos de meteoritos ao longo das eras, desde a formação da crosta, e ela também pode ter sido alterada quimicamente”.

Já a segunda camada tem aproximadamente 20 km e está mais conservada que a anterior, o que faz com que as ondas viajem mais rápido por ela.

Uma suposta terceira camada é que deixa as coisas mais incertas, já que Knapmeyer-Edrun não consegue determinar se ela é de fato uma camada da crosta, ou se já começa, ali, a transformação para o manto. “Precisamos de mais estudos para realmente determinar o que é cada camada, individualmente”. Entretanto, ela estima que a espessura dessa parte fique em torno de 39 km e seja feita de um material diferente das duas anteriores.

Já um segundo outro estudo, assinado por Amir Khan, pesquisador da Universidade de Zurique na Suíca, analisa exclusivamente ondas de baixa frequência. O especialista explica que, ao contrário dos terremotos na crosta superior de Marte do estudo anterior – que funcionam com alta frequência e ocorreram perto do InSight, esta pesquisa avalia as ondas menores, que viajam mais a fundo no manto até o núcleo do planeta.

Segundo as conclusões, o manto se estende por algo entre 400 e 600 km – mais que o dobro da Terra. Isso porque Marte tem apenas uma única – gigantesca e praticamente estática – placa tectônica, ao contrário das sete móveis da nossa casa. Embora similares, a placa de Marte tem uma concentração de ferro bem maior.

Usando informações de outros estudos, Khan determinou que a crosta de Marte tem entre 13 e 21 vezes mais elementos radiativos enriquecidos que produzem calor do que o manto – bem mais do que o registrado pelo orbitador exploratório Global (MGS, na sigla em inglês).

“O MGS mediu apenas o conteúdo radiativo da superfície, mas agora nós descobrimos que a crosta inteira é enriquecida de forma relacionada a essas estimativas, o que significa que aquilo que vimos na superfície não é o mesmo que vimos em profundidades maiores”, explicou Khan.

Finalmente, o terceiro estudo considerou apenas as ondas S, e como elas são refletidas pelo núcleo do planeta. Explicando: ondas de baixa frequência não conseguem viajar por dispositivos líquidos – e o núcleo de um planeta geralmente é constituído de magma. Neste caso, os cientistas analisaram pontos de onde as ondas S começavam a desviar de seus trajetos originais, determinando assim o local onde, possivelmente, se inicia o núcleo.

Em termos numéricos: avaliando os terremotos de Marte, os cientistas concluíram que seu núcleo começa a uma profundidade de 1.560 km, aproximadamente – algo maior do que se pensava antes. A grosso modo, um núcleo maior implica em menos densidade. As novas medidas indicam que o núcleo tem menos teor de ferro, uma descoberta que necessitou da infusão de elementos mais leves, como enxofre, carbono, hidrogênio ou oxigênio.

“Se esses elementos mais leves estiverem no núcleo em grandes quantidades, talvez tenhamos que revisar nossos modelos sobre como o planeta se formou, para determinarmos como eles se originam do núcleo, e não do mando ou, no caso do hidrogênio, deixando o planeta inteiramente antes do previsto”, disse Simon Stähler, também pesquisador de Zurique, e autor do terceiro estudo.

Até agora, todos os tremores identificados estavam abaixo da magnitude 4 da escala Richter – em termos comparativos, se ocorressem na Terra, você só os sentiria se estivesse próximo de seu epicentro.

A conclusão dos três estudos é relativamente simples: se o núcleo de Marte é maior, então o manto é mais fino. Isso implica em uma ausência na camada isolante de perovskita de silicato, uma substância abundante na Terra que ajuda a conservar o calor interno. Sem isso, o núcleo de Marte resfria a um ritmo mais rápido, o que por sua vez traz um impacto maior no seu campo eletromagnético – justamente aquilo que fez o planeta prender a sua atmosfera há bilhões de anos. Vale lembrar que, com a redução do campo eletromagnético, Marte hoje quase não tem atmosfera.

Fonte: Olhar Digital