Em um painel de discussão sobre o aprofundamento das desigualdades causado pela COVID-19, realizado em Genebra, especialistas das Nações Unidas em direitos humanos lamentaram a inabilidade de governos em garantir direitos fundamentais, classificando a crise atual como “chocante” e próxima de atingir “níveis desesperadores e letais”.
A alta comissária de direitos humanos da ONU, Michelle Bachelet, lamentou a falta de isonomia na distribuição de vacinas e o fato de entre 119 e 124 milhões de pessoas terem sido empurradas para a linha de pobreza extrema em 2020.
O economista e Prêmio Nobel, Joseph Stiglitz afirmou que a pandemia não atingiu todas as pessoas da mesma forma, colocando os que estão na base da pirâmide social em uma situação de ainda mais vulnerabilidade.
Para ele, a dificuldade de acesso à vacina em alguns países revela uma violação do direito fundamental à vida.
A secretária-geral assistente da ONU para os Direitos Humanos, Ilze Brands Kehris e o relator especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, José Francisco Cali Tzay, reforçaram o painel abordando como os povos tradicionais têm sido vítimas da falta de amparo estatal e da exclusão de suas necessidades específicas nos planos de recuperação econômica pós-pandemia.
O relator da ONU também celebrou iniciativas autônomas de comunidades indígenas pelo mundo no combate à COVID-19, inclusive no Brasil, como é o caso do povo Kuikuro que formou parcerias com hospitais e montou seu próprio centro de saúde.
Durante um painel de discussões no Conselho de Direitos Humanos, a chefe do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Michelle Bachelet classificou a crise causada pela pandemia de COVID-19, como uma situação que está aprofundando desigualdades, de forma “chocante”.
A alta comissária fez um apelo para que a distribuição de vacinas seja mais solidária e para que os Estados pautem seus planos de recuperação econômica levando em consideração os direitos humanos e a situação dos mais vulneráveis.
O evento reuniu em Genebra especialistas como o economista Nobel, Joseph Stiglitz e representantes de comunidades tradicionais, como o relator especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, José Francisco Cali Tzay.
Extrema pobreza
Em sua fala inicial, Bachelet sustentou que a incapacidade dos governos de garantir direitos fundamentais – como justiça, educação de qualidade, moradia e trabalho decentes – “minou a resiliência das pessoas e dos Estados”.
Para a chefe da ACNUDH, esse cenário de violação de direitos expôs as populações vulneráveis a choques “médicos, econômicos e sociais”, empurrando algo em torno de 119 e 124 milhões de pessoas para pobreza extrema, somente em 2020.
Bachelet também citou dados da Organização para Agricultura e Alimentação (FAO) que indicam o crescimento da insegurança alimentar no mundo, alcançando no último ano 2,38 bilhões de pessoas.
Este número foi considerado pela alta comissária como alarmante e sem precedentes.
“Avanços vitais estão sendo revertidos – incluindo nos direitos das mulheres e os de muitas comunidades minoritárias étnicas, religiosas e povos indígenas”, lamentou Bachelet, acrescentando que as rachaduras no tecido social de nossas sociedades estão se tornando amplas e as lacunas entre os países ricos e pobres estão chegando a níveis desesperadores e letais.
“Devemos garantir que os planos de recuperação econômica dos Estados sejam construídos sobre os alicerces dos direitos humanos e consultando a sociedade civil”, alertou a chefe do ACNUDH.
“É preciso defender medidas que garantam a saúde e proteções sociais de forma universal e outros direitos fundamentais que evitem danos e tornem as comunidades mais resilientes”, ponderou.
Desigualdade vacinal – Sobre a gritante questão da escassez de vacina contra o coronavírus e de recursos médicos para tratamento em muitos países em desenvolvimento, a alta comissária encorajou os Estados a agirem juntos e de forma solidária para distribuírem as doses.
“Hoje, os hospitais em algumas regiões colapsaram, com os pacientes incapazes de encontrar os cuidados médicos de que precisam e o oxigênio quase completamente indisponível”.
Para a chefe do ACNUDH, a desigualdade vacinal gera “divisões profundas no coração da comunidade internacional”.
Pirâmide social – Fazendo coro a essas observações, o ganhador do Prêmio Nobel e economista, Joseph Stiglitz, descreveu como a COVID-19 pouco afetou aqueles que estão no topo da economia global, mas levou enorme sofrimento aos que estão na base, atingindo empregos, saúde e a educação de crianças.
“O coronavírus não tem sido um vírus de condições iguais”, ele pontuou, “a pandemia teve um efeito devastador nas camadas baixas da nossa sociedade e da nossa economia. Enquanto muitos dos que estão no topo se saíram bem, conseguiram continuar trabalhando no Zoom e mantendo suas receitas, quase sem interrupção”, lembrou o Nobel.
Sobre a questão das vacinas, o professor Stiglitz lembrou ao Conselho de Direitos Humanos que o acesso a elas “é quase parte do direito fundamental à vida, no entanto, embora estejam disponíveis nos Estados Unidos e em outros países avançados, são itens extraordinariamente difíceis de se obter em economias emergentes e quase impossíveis na maioria dos países em desenvolvimento”.
Ele continuou suas fala afirmando que não existe direito mais importante do que à vida e que portanto, o acesso à medicamentos e imunizantes pode ser considerado uma garantia básica.
“No entanto, ela está sendo violada pela falta de igualdade de acesso ou até mesmo qualquer tipo de acesso às vacinas”, finalizou.
Indígenas – Em uma discussão anual sobre os direitos dos povos indígenas, evento que aconteceu complementarmente ao painel do Conselho de Direitos Humanos, os Estados-membros debateram a situação específica das crianças indígenas e pessoas com deficiência, que continuam a ser atingidas de forma particularmente dura pela crise do COVID-19.
A secretária-geral assistente da ONU para os Direitos Humanos, Ilze Brands Kehris, afirmou que a pandemia “expôs e exacerbou” as desigualdades e o racismo sistêmico que povos tradicionais já enfrentavam, acrescentando que muitos indígenas morreram em decorrência do “acesso desigual à cuidados de saúde de qualidade”.
A oficial de direitos humanos também observou que a pandemia afetou a resiliência das línguas indígenas e do conhecimento tradicional, situação que ela classificou como preocupante, dado a meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de “não deixar ninguém para trás”.
Falta de consentimento – Ecoando essa mensagem, o relator especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, José Francisco Cali Tzay, expressou preocupação com o fato de que os esforços de recuperação pós-pandemia de muitos Estados continuavam a ter “impactos negativos” sobre os povos indígenas.
“As medidas nacionais para deter a pandemia estão sendo aplicadas aos territórios indígenas sem que seu livre consentimento tenha sido dado previamente ou sequer informado e sem levar em conta as barreiras sistêmicas enfrentadas por aqueles que terão que cumprir as medidas”, lamentou o relator especial.
Neste cenário, algumas comunidades indígenas têm implementado soluções de combate ao vírus por conta própria.
O povo Kuikuro do Brasil, por exemplo, formou parcerias com hospitais e montou seu próprio centro de saúde, contratando médicos e enfermeiras para trabalharem na prevenção, destacou Tzay.
Outros exemplos dados pelo relator são o povo Karen, na Tailândia, que fechou de forma autônoma suas aldeias e não permitiu a entrada de nenhum visitante, além do povo Mru, em Bangladesh, que colocou uma cerca de bambu na entrada de seu território para isolar suas aldeias.
“Em vez de depender apenas da ajuda governamental, os povos indígenas estão coordenando respostas em nível comunitário que incluem reconectar-se com o conhecimento científico e gerenciar redes de ajuda humanitária e mútua”, reforçou o relator da ONU.
“Os Estados devem cumprir suas obrigações de apoiar os planos de proteção elaborados pelos povos indígenas de forma autônoma”, clamou ele em busca de apoio para as iniciativas indígenas para contenção da COVID-19.
Fonte: Dourados Agora