A Câmara dos Deputados aprovou na última quinta-feira (28) o Projeto de Lei Complementar (PLP) 134/19, que reformula algumas regras para a certificação de entidades beneficentes às quais a Constituição assegura imunidade nas contribuições para a seguridade social.
A matéria será enviada ao Senado.
Apesar das reformulações, permanecem iguais as principais normas sobre como essas entidades devem oferecer serviços gratuitos para contaram com a isenção dessas contribuições.
A apresentação do projeto decorre de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou inconstitucionais vários artigos da Lei 12.101/09 porque a regulamentação dessa imunidade deve ser feita por meio de lei complementar.
De autoria do deputado Bibo Nunes (PSL-RS), o texto aprovado é um substitutivo do deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP) reformulado em Plenário pelo deputado Antonio Brito (PSD-BA), que foi o relator na Comissão de Seguridade Social e Família.
Comunidades terapêuticas
O Plenário analisou dois destaques apresentados pelos partidos. Um deles, do Psol, foi aprovado e retirou do texto a possibilidade de as comunidades terapêuticas contarem com a imunidade tributária.
Apesar de o texto retirado ter obtido a maioria de votos (251) a favor de sua manutenção no substitutivo, por se tratar de um projeto de lei complementar são necessários 257 votos para aprovação. Outros 75 deputados votaram a favor da exclusão das comunidades terapêuticas.
Para a líder do Psol, deputada Taliria Petrone (Psol-RJ), é necessário haver contrapartidas e fiscalização das comunidades terapêuticas para garantir tratamento digno a pacientes.
A deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), no entanto, afirmou que as comunidades terapêuticas são fundamentais para o acolhimento de dependentes de álcool e drogas.
Com a retirada das comunidades terapêuticas da relação das entidades que podem contar com a imunidade tributária, poderão atuar com esse benefício apenas aquelas que prestam serviços de cuidado, prevenção, apoio, ajuda mútua, atendimento psicossocial e ressocialização desses dependentes ou que prestam serviços intersetoriais, interdisciplinares, transversais e complementares.
Sua certificação será realizada pela unidade responsável pela política sobre drogas do ministério da área de assistência social.
A entidade deverá comprovar um mínimo de 20% de sua capacidade em atendimentos gratuitos.
Requisitos
Nos requisitos para obter e manter a certificação, o relator incluiu trecho para deixar claro que, na hipótese de prestação de serviços a terceiros, a imunidade não poderá ser transferida a essas pessoas. Isso valerá para terceiros do setor público ou privado, com ou sem cessão de mão de obra.
O substitutivo especifica ainda que os dirigentes não respondem, direta ou subsidiariamente, pelas obrigações fiscais da entidade, salvo se comprovada fraude, dolo ou simulação.
Sobre a prioridade na celebração de convênios com o poder público, o relatório inclui os contratos para a execução de serviços e gestão, não apenas programas, projetos e ações como consta atualmente na lei.
“A função de cada deputado é direcionar as emendas parlamentares a instituições que fazem o bem. Sinto-me muito honrado com a aprovação desse projeto e com a relatoria de Antonio Britto, que tem amor no coração”, disse Bibo Nunes.
Para Antonio Brito, “esse é um texto de consenso, um texto razoável, onde todos cederam para que pudéssemos ter uma norma de segurança para que houvesse o controle da prestação de serviço das entidades beneficentes de assistência social”.
Mais de uma área
As entidades beneficentes podem receber a certificação que garante a imunidade se prestarem serviços gratuitos nas áreas de educação, saúde ou assistência social.
Quando a entidade atuar em mais de uma dessas áreas ela será dispensada de comprovar os requisitos exigidos para cada área de atuação não preponderante quando o total de custos e despesas com essa atividade não preponderante for limitado a 30% do total.
Além disso, deverá observar um limite total anual a ser fixado em regulamento.
O prazo de validade da certificação continua a ser de três anos e os requerimentos de renovação feitos após o prazo da data final de validade serão considerados como requerimentos para concessão de nova certificação.
Passivo
Devido à decisão do STF sobre a inconstitucionalidade de trechos da lei, dispensando certas contrapartidas para contar com a imunidade tributária, o texto extingue os créditos exigidos pela União relativos a contribuições sociais e previdenciárias de instituições sem fins lucrativos que atuam nas áreas de saúde, educação ou assistência social.
Esses créditos se originaram de polêmicas sobre a interpretação do tema pelo Supremo ao longo do tempo em diferentes ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), resolvidas em fevereiro deste ano.
Prorrogação
A validade dos certificados vigentes cujo requerimento de renovação tenha sido apresentado até a data de publicação da futura lei complementar será prorrogada até 31 de dezembro do ano seguinte ao último ano de vigência.
A entidade que apresentar novo requerimento de renovação com base nos requisitos da futura lei e que tenha usufruído de forma ininterrupta da imunidade poderá solicitar análise prioritária em relação a outros pedidos pendentes.
Se o requerimento mais recente for aprovado, os outros serão considerados aprovados automaticamente.
Área da Saúde
Os meios para a entidade oferecer contrapartidas para ter direito à imunidade tributária continuam iguais: prestar serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS); prestar serviços gratuitos; atuar na promoção à saúde; ser de reconhecida excelência e realizar projetos de apoio ao desenvolvimento institucional do SUS; ou prestar serviços não remunerados pelo SUS a trabalhadores.
As entidades poderão desenvolver atividades que gerem recursos, inclusive por meio de suas filiais, com ou sem cessão de mão de obra para contribuir com a realização das atividades previstas como contrapartida.
No caso de serviços ao SUS, o mínimo continua a ser de 60% (internações ou atendimentos ambulatoriais), mas o substitutivo permite que dez pontos percentuais sejam vindos de contrato de gestão com o poder público (gestão de hospitais, por exemplo).
Entidades que desejam a certificação para a imunidade parcial por meio da prestação de serviços gratuitos deverão pactuar essa oferta com o gestor local do SUS mediante contrato, convênio ou instrumento congênere.
Aquelas que não possuam receita de serviços pagos para viabilizar a aplicação dos percentuais mínimos de gratuidade (5%, 10% ou 20%) poderão usar outras vindas de qualquer fonte, mas o gasto com gratuidade não poderá ser inferior à imunidade de contribuições sociais usufruída.
Na opção pela imunidade ofertando atividades no âmbito dos projetos de apoio ao desenvolvimento institucional do SUS, a novidade é que se os recursos gastos não alcançarem a imunidade usufruída, a entidade deverá complementar a diferença até o término do prazo de validade de sua certificação.
O texto concede essa alternativa apenas para as entidades que tenham aplicado nesses projetos um mínimo de 70% do valor usufruído anualmente com a imunidade, entretanto não faz referência àquelas que não tenham atingido esse mínimo.
Educação
No setor educacional, as entidades beneficentes sem fins lucrativos deverão ofertar bolsas integrais ou parciais para pessoas que atendam ao perfil socioeconômico sem qualquer forma de discriminação, segregação ou diferenciação, vedada a utilização de critérios étnicos, religiosos, corporativos ou políticos, ressalvada a Lei de Cotas.
A regra valerá inclusive para as entidades que prestam, cumulativamente, serviços totalmente gratuitos e por meio de convênio com órgãos ou entidades dos poderes públicos.
Para obter bolsa integral, a renda familiar bruta mensal per capita dos beneficiados continua sendo de 1,5 salário mínimo e de até três salários no caso da parcial (50%).
No entanto, no caso da bolsa integral, Antonio Brito propõe que será admitida uma renda 20% maior quando considerados aspectos de natureza social do beneficiário, de sua família ou de ambos em relatório assinado por assistente social com registro no órgão de classe.
Entidades que optarem pela substituição de até 25% das bolsas de estudos por benefícios deverão firmar termo de concessão com cada um dos alunos.
Esses benefícios são divididos em três tipos, mas a conversão de bolsas é admitida apenas para os tipos 1 e 2:
tipo 1: benefícios destinados exclusivamente ao aluno bolsista, tais como transporte escolar, uniforme, material didático, moradia e alimentação;
tipo 2: ações e serviços destinados a alunos e a seu grupo familiar para facilitar seu acesso, permanência, aprendizagem e conclusão do curso;
tipo 3: projetos e atividades de educação em tempo integral destinados para ampliar a jornada escolar de alunos da educação básica matriculados em escolas públicas que apresentem índice de nível socioeconômico baixo.
Atendidas as condições socioeconômicas, as instituições poderão considerar como bolsistas os trabalhadores da própria instituição e dependentes destes se previsto em convenção ou acordo coletivo de trabalho até o limite de 20% do mínimo.
Essa permissão valerá inclusive para entidades que ofertam curso superior e não tenham aderido ao Programa Universidade para Todos (Prouni).
Educação profissional
O substitutivo exige das entidades que oferecem educação profissional as mesmas proporções de bolsas em relação a alunos pagantes, permitindo ao estudante acumular bolsas de estudo na educação profissional técnica de nível médio.
Quanto aos casos de fraude por informação ou documentos falsos do bolsista ou responsável, o texto prevê o cancelamento delas sem prejuízo para a entidade concedente, inclusive na contagem da proporção, salvo se comprovada negligência ou má-fé da instituição.
Já as bolsas concedidas pelas entidades antes da vigência da futura lei complementar poderão ser mantidas e consideradas até a conclusão do ensino médio ou do curso superior, conforme o caso, contanto que os beneficiários se enquadrem na renda familiar bruta mensal per capita exigida.
Assistência social
Para fins de certificação de entidades atuantes na área de assistência social, o substitutivo exige daquelas que atuam em mais de um município ou estado a apresentação de comprovante de inscrição de suas atividades nos conselhos de assistência social de no mínimo 90% dos municípios, comprovando inclusive a preponderância dos custos e despesas nessas localidades.
Em relação ao atendimento ao idoso em casas de longa permanência, o substitutivo permite que eventual cobrança de participação do idoso seja superior a 70% do benefício previdenciário que ele receber se existir um termo de curatela.
O usuário deverá ter sido encaminhado pelo Poder Judiciário, Ministério Público ou gestor local do Sistema Único de Assistência Social (Suas) e a doação deverá ser feita de forma livre e voluntária pelo idoso ou seu responsável.
Unidades destinadas somente à hospedagem de idoso e remuneradas não serão equiparadas a casa-lar ou atendimento de longa permanência.
Pessoas com deficiência
Quanto às entidades que prestam serviços a pessoas com deficiência simultaneamente de assistência social e educação ou saúde, o substitutivo atribui a competência de certificação exclusivamente ao ministério responsável pela área de assistência.
Será dispensada a manifestação das outras pastas, mas os requisitos necessários deverão ser verificados.
Exigência de tributos
Se a Receita Federal verificar o descumprimento de qualquer requisito que resulte na perda da imunidade tributária deverá emitir um auto de infração e encaminhá-lo à autoridade executiva certificadora, mas a exigência do crédito tributário ficará suspensa até a decisão definitiva no processo administrativo.
A certificação da entidade permanece válida até a data da decisão administrativa definitiva sobre o cancelamento dessa certificação.Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Talíria Petrone: comunidades terapêuticas reproduzem lógica manicomial
Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Antonio Brito, relator da proposta no Plenário
Fonte: Dourados Agora