Cientista político diz que “esquerda de ruptura” foi seguidamente derrotada nos últimos anos e que a “esquerda de coalizão” é construção viável
Num longo artigo na Folha de S.Paulo neste domingo (19), o cientista político Mathias Alencastro, faz uma análise detalhada do que qualifica fracasso da estratégia de “esquerda de ruptura” ao longo dos últimos anos e de como a “esquerda de coalizão” tem se afirmado como viável e capaz de se contrapor ao avanço da extrema direita.
Alencastro é doutor pela Universidade de Oxford, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e foi diretor de Relações Internacionais do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2015.
No artigo, ele traça um panorama largo: “A crise financeira de 2008, que marcou o fim da experiência da terceira via iniciada por Tony Blair nos anos 1990 e o início da ascensão dos movimentos de extrema-direita na década de 2010, mergulharam a esquerda global numa longa travessia experimentalista”.
Ele descreve essa “travessia experimentalista” indicando como, na Europa, os dois modelos (ruptura e coalizão) “competiram eleitoralmente e conheceram destinos diferentes”
De um lado, “Jean-Luc Mélenchon e Jeremy Corbyn seguiram o caminho trilhado por Pablo Iglesias, líder do Podemos na Espanha, e apoiaram-se nas teses de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, que caracterizam o embate político como a oposição entre o povo e a elite”.
Os resultados iniciais, anotou, Alencastro, “foram encorajadores”, com Mélenchon quase chegando ao segundo turno das eleições presidenciais francesas em 2017 e com Corbyn assumindo a liderança do partido trabalhista britânico e chegando a “ameaçar a hegemonia conservadora nas eleições”. Na Espanha, o Podemos pareceu perto de ultrapassar o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol).
Mas, constata o cientista polícia, “o projeto da ‘esquerda de ruptura’ não sobreviveu a um ciclo eleitoral. Mélenchon naufragou, assim como Corbyn e, ao fim e ao cabo, o Podemos.
Surgiu então a “esquerda de coalizão” como contraponto à “esquerda de ruptura’”, baseada na premissa de que “a radicalização da direita deve ser combatida pela afirmação dos valores tradicionais da social-democracia” e que “os partidos do mesmo campo ideológico devem trabalhar juntos para manter suas maiorias eleitorais, em vez de competir entre eles”.
O grande símbolo do sucesso da alternativa de coalizão foi a “geringonça” em Portugal e, há poucos mais de um mês, a vitória do SPD (partido social-democrata alemão) do agora chanceler Olaf Scholz. Alencastro observa que o SPD “passou grande parte da última década disputando o eleitorado de esquerda com o Die Linke, terceira maior força política do país depois da eleição de 2013. Na eleição deste ano, o partido fundado em 2007 e considerado um predecessor do Podemos nem conseguiu entrar no parlamento”.
Alencastro relata como o processo europeu teve repercussão entre os “líderes da esquerda nas Américas” e como Bernie Sanders, seguindo a linha da “esquerda de ruptura” acabou fracassando. No Brasil, segundo o cientista político, uma ala to PT e outros segmentos de esquerda “assumiu abertamente a sua preferência pela esquerda de ruptura” e ele menciona um artigo de 2018 de Lindbergh Farias mencionando as experiências de Mélenchon e Corbyn como referenciais.
Para ele, a escolha de Fernando Haddad como candidato a presente em 2018 “foi a primeira etapa da disputa entre as duas visões do futuro da esquerda”, que chega a seu momento decisivo agora com o debate sobre a coalizão com o PSB e a escolha de Geraldo Alckmin para companheiro de chapa de Lula.
Alencastro fala sobre a experiência de Lula ao longo das últimas décadas e registra que “Lula viu com seus próprios olhos, na sua última viagem à Europa, a ruína da esquerda francesa e a reconstrução do SPD na Alemanha”.
Para o cientista político, a negociação com Alckmin e as busca de aliança com o PSB, indica que o PT “aposta no modelo da esquerda de coalizão que derrotou a direita e a extrema-direita”.
No fim do artigo, o cientista político registra o caráter traumático da decisão, “porque ela obriga o PT a abdicar do seu destino hegemônico, mas a experiência europeia dita que o processo de federação com o PSB e o PC do B é tão importante como o acordo individual com Alckmin”. E encerra: “Do ponto de vista nacional, a composição desenhada por Lula é uma revolução republicana, porque ela impulsiona a reconstrução do sistema partidário e assegura o regresso dos democratas ao poder. Do ponto de vista global, uma eventual “geringonça brasileira” marcaria a vitória definitiva da esquerda de coalizão sobre a esquerda de ruptura”.
Fonte: Brasil 247