O Banco Central dá como certo o estouro do limite da meta de inflação para este ano e já aumentou os riscos de isso acontecer de novo no ano que vem. Esse movimento de piora segue o processo de deterioração do ambiente externo, que passa pelo temor de recessão, alta generalizada dos preços e ainda lida com impactos da pandemia.

Em outras palavras, não está fácil para ninguém. Mas, no Brasil, o ambiente vem ficando ainda mais desafiador, na opinião de especialistas, em meio à tramitação da chamada PEC dos Benefícios no Congresso. O custo desse projeto, que prevê uma série de gastos extras com auxílios sociais, não para de subir, o que lança um desafio extra ao BC, pelo menos, até 2024, alertam analistas ouvidos pelo CNN Brasil Business.

Na semana passada, o gasto estava estimado em R$ 34 bilhões. Um dia depois subiu para R$ 38,7 bilhões. Já nesta semana, benefícios para taxistas e motoristas de aplicativos chegaram a ser incluídos, levando o valor a superar R$ 40 bilhões. Estimativas chegaram a apontar o custo total perto de R$ 58 bilhões — quase 70% de todo o orçamento do Auxílio Brasil de 2022.

Apesar de o relator da proposta na Câmara ter anunciado na véspera que decidiu excluir o “vale-Uber” do texto, a incerteza sobre o limite desses gastos persiste no mercado, que, como resposta, vem realinhando suas expectativas em relação à capacidade do Banco Central de controlar a inflação no curto prazo.

Desancoragem

As expectativas para 2023 têm indicado nos últimos meses que a inflação pode superar o teto novamente. Esse clima entre especialistas tem avançado cada vez mais para 2024 também.

Em uma pesquisa da XP Investimentos com agentes do mercado, a previsão para o próximo ano subiu de 4,75% para 5,11%, e no ano seguinte, de 3,38% para 3,50%.

O movimento é chamando no mercado de “desancoragem de expectativas”, já que o centro da meta é a “âncora” da política fiscal. O centro em 2023 será de 3,25%, com teto de 4,75%. Já em 2024, o centro foi definido em 3%, com teto de 4,5%.

As novas projeções de uma inflação em 2024 acima do centro da meta estão ligados à recente escalada do risco fiscal no Brasil, disseram especialistas ao Ao CNN Brasil Business.

As metas de inflação são definidas pelo próprio Banco Central como um “conjunto de procedimentos” que buscam “garantir a estabilidade de preços”. A ideia é que a autarquia use sua política monetária para trazer a inflação aos números desejados, mas nem sempre isso é possível.

Em 2021, por exemplo, o centro da meta de inflação era de 3,75%, sendo tolerados também resultados 1,5 ponto percentual acima ou abaixo. Mas a inflação acumulada em 12 meses superou o máximo tolerado, encerrando o ano em 10,06%.

O quadro não é diferente para 2022. O Banco Central reconheceu na quinta-feira (30) que o risco da inflação superar o teto da meta novamente é de 100%. Atualmente, ela está em 11,73%, sendo que o teto da meta é de 5,25%.

Além da autarquia, o mercado também busca projetar a inflação nos outros anos.

As projeções de inflação para 2023 estão subindo, porque a autarquia não tem sinalizado que buscará levar a inflação para o centro da meta, segundo Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e especialista CNN em economia.

“Pela linguagem, parece satisfeito com algo em torno de 4%, não necessariamente abaixo disso. Se tem essa leitura, por que o mercado acreditaria que vai ficar no centro se nem o responsável parece estar disposto a isso?”, questiona.

Nesse sentido, ele considera que a sinalização atual do Banco Central é que o combate contra a inflação está sendo feito, mas que não haveria mais como ancorar a inflação para o próximo ano.

No Relatório Trimestral de Inflação, por exemplo, a autarquia elevou de 12% para 29% a chance da inflação ficar acima do teto no próximo ano.

Risco fiscal renovado

As pressões inflacionárias incluem a chance de recessão nos Estados Unidos e outros países em meio à alta global de juros, descompassos entre oferta e demanda que continuam elevando o preço de commodities e, como novidade, a renovação do risco fiscal no Brasil.

O tema voltou com mais força ao radar dos investidores depois do governo federal apresentar uma PEC que aumenta e cria novos benefícios sociais à população.

Para Schwartsman, as novas projeções de uma inflação em 2024 acima do centro da meta, de 3%, se devem principalmente à “percepção de que o regime fiscal está ameaçado, ainda mais depois da aprovação da PEC dos Combustíveis”.

Os geradores de pressão inflacionária atuais, como altas de juros pelo mundo, risco de recessão norte-americana e commodities caras, tendem a influenciar os preços em 2022 e 2023, mas não em 2024, avalia o economista. Por isso, o risco fiscal ganha força como “culpado”.

“A votação indica que o regime fiscal, ancorado em uma regra constitucional, é flexível, e que consegue burlar o teto muito facilmente”, diz o especialista.

A leitura do mercado é que o regime fiscal brasileiro deve mudar, independentemente do resultado nas eleições, o que não agrada os investidores e leva a uma fuga de investimentos. Com isso, o dólar sobe, impactando na inflação.

Economista-chefe da Órama Investimentos, Alexandre Espírito Santo projeta uma inflação de 5% em 2023, acima do teto, e um número ainda dentro do limite da meta em 2024, mas não no centro.

Ele ressalta que, no próprio relatório mais recente, o Banco Central elevou para 10% o risco da inflação ficar acima do teto. Para ele, “é plausível admitir que vamos cumprir a meta em 2024, mesmo sem ser o centro”.

O economista diz que grande parte dessa mudança de expectativas está associada à questão fiscal.

A inflação está disseminada, mas não pode desprezar a questão da expectativa, que não é boa nesse momento porque tem um lado fiscal absolutamente frágil. As pessoas ficam se perguntando o que o novo governo fará quanto a isso, se fará alguma cosia. Uma nova âncora precisará ser sinalizada, mesmo que não seja o teto

Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Órama Investimentos

A avaliação de Espírito Santo é que o risco fiscal permanecerá como grande fator para revisões de projeção de inflação, mesmo que existam problemas em outras áreas, como no exterior.

“O aspecto fiscal frágil impacta nas expectativas, e com a inércia alta na inflação do Brasil, transborda na inflação de agora e para frente”, ressalta.

O economista considera que ainda é possível que a inflação de 2023 fique dentro da meta, seja pela atividade mais fraca com a alta de juros ou pela inflação menor em 2022 após medidas do governo para reduzir os preços dos combustíveis, reduzindo a inércia.

Com isso, a inflação para 2024 tenderia a ser revista para baixo. Entretanto, esse cenário depende de um jogo de forças entre esses aspectos positivos e os negativos, em especial o grau de gravidade da questão fiscal. “Quanto antes resolvermos, menor o impacto”, avalia.

Como o Banco Central pode reagir?

Em sua última projeção, o Banco Central divergiu do mercado. A expectativa atual da autarquia é que a inflação fique abaixo do centro da meta em 2024, com 2,7%.

Para o ex-diretor do BC, as decisões da autarquia são muito influenciadas pelas expectativas do mercado.

O primeiro ponto de influência vêm dos próprios modelos de projeção de inflação usados para determinar altas de juros, já que eles incluem no cálculo a expectativa do mercado.

Além disso, as expectativas dos investidores também geram movimentações. Se a previsão é de risco fiscal, há retirada de investimentos e o dólar, obrigando a autarquia a rever seus valores de referência.

Na projeção de inflação abaixo do centro da meta em 2024, por exemplo, o valor base do dólar considerado foi de R$ 4,90. Atualmente, a cotação é de R$ 5,30.

“O BC Vai ter que colocar isso na conta, subir projeção, e determinar se a Selic agora traria a inflação abaixo de 4% em 2023”, afirma. Ele destaca que as decisões de juros desde maio já levam em conta as metas de 2023, e que, no segundo semestre, 2024 também entrará na conta.

Já Espírito Santo acredita que o Banco Central manterá o movimento de encerrar o ciclo de alta de juros em breve, mesmo com expectativas deterioradas, optando ou por uma alta de 0,5 ponto percentual em agosto ou duas de 0,25 p.p.

“Mas ele nunca pode fechar a porta, porque acontecem eventos que podem forçá-lo a fazer novas altas, em especial no cenário incerto. A probabilidade do ciclo de alta estar acabando é muita alta nesse momento”, afirma.

Em relatórios, tanto o banco Goldman Sachs quanto o UBS BB apontam que, pelas sinalizações recentes e cenários atuais, a autarquia não deve subir a taxa Selic além de 13,75%, mas deve mantê-la em patamares elevados por mais tempo de modo a combater a inflação.

O Goldman Sachs observa, porém, que não descarta uma outra alta acima desse valor se “a dinâmica da inflação se mostrar mais persistente do que o previsto no cenário base do Copom e as previsões de inflação condicional para 2023 e 2024 avançarem ainda mais”.

Para o banco, a autarquia deve começar a cortar juros apenas no segundo ou terceiro trimestre de 2023. Para o ano que vem, a projeção subiu de uma inflação de 5% para 5,4%, em meio à piora do quadro fiscal.

O relatório destaca ainda que “as projeções de inflação do Copom não incorporam as medidas tributárias atualmente em debate no Congresso”, que “implicam em uma redução considerável da inflação no ano corrente, mas um aumento de menor magnitude da inflação no horizonte relevante para a política monetária”.

Já o UBS destaca que “com taxas em níveis maiores até o final de 2024, seria razoável esperar uma inflação ainda menor que o previsto pelo Banco Central”. Para 2024, o banco elevou a previsão da taxa Selic de 7,5% para 7,75%.