“Venha explorar com David e Mike e conheça as mulheres brasileiras, que são conhecidas ao redor do mundo por serem divertidas, curvilíneas e fogosas”. O convite foi postado na plataforma Millionaire Social Circle, criada para divulgar os autointitulados “líderes da indústria do namoro e playboys de viagens” Steve Mapel e Ziqiang Ke “Mike”.

Mais conhecidos, respectivamente, pelos perfis David Bond e Mike Pickup Alpha, os coaches oferecem cursos que vão de 4 mil a 50 mil dólares. Entre seus ensinamentos, estão dicas para montar o próprio harém e um método de cooptação chamado Epstein, uma alusão ao bilionário Jeffrey Epstein, preso por tráfico sexual de crianças e adolescentes.

“Junte-se ao Ciclo Social Milionário”, convida um post no site do grupo.

Nas redes, David muda constantemente de perfil e aparece eventualmente como David Campbell ou David White. No sábado, 11/3, usando o perfil @davidgoodboy007 no Instagram, ele ofereceu 20 dólares a quem indicasse a ele mulheres de 18 a 25 anos nas Filipinas que não usassem smartphones. “É para um estudo”, justificou.

Sob o pretexto de conhecer novos lugares e aumentar conexões, alunos e tutores do clube de homens visitam países mais vulneráveis, onde são organizadas festas com as mulheres locais. É um modus operandi que se confunde com o turismo sexual, um velho conhecido do Brasil, onde a prostituição não é crime, mas a exploração sexual (usar crianças/adolescentes em atos de natureza erótica/sociais), sim. Outro crime é filmar mulheres – várias são registradas também fazendo sexo – sem autorização das mesmas.

“Você conhece alguma garota de 18-25 que NÃO use smartphone? (nas Filipinas)”, postou David no Instagram. “Te pago 20 dólares se você conseguir encontrá-las (é para um estudo)”.

Agora, a tática vem embrulhada em discursos motivacionais, apostilas, redes sociais, palestras e um nome cool para os membros: os passport bros (os manos do passaporte). Volto ao termo em breve.

Os homens do curso aprendem que existem diversos “tipos de mulheres”: elas podem ser “A vadia”, “A caçadora de atenção de homens”, “A viciada em estímulos”, entre outros. A primeira é descrita como uma “mulher com um número alto de parceiros sexuais, todos os aplicativos de namoro instalados, nunca está feliz com uma pessoa só e sempre transa com caras aleatórios.”

Outra lição é como montar seu harém, com o passo a passo para cada abordagem. Isca: “Você vive em x lugar?” Tela: “Qual o seu trabalho?”, “Você tem namorado?”, “Manda uma foto”; Convite: “Vamos nos ver amanhã?”; Revelação: “Mostrei sua foto para minhas amigas, elas te acharam bonita”.

Prints de tela mostram os esquemas apresentados nas aulas.

Na apostila The Bond Lexicon, David afirma que estudou líderes de cultos sexuais, como Epstein. No documento consta um método que brinca com os limites da exploração sexual:

Uma estratégia de namoro que oferece a terceiros uma recompensa financeira pela apresentação de garotas […]. As duas regras do Método Epstein são: nada de prostitutas, e a garota que está sendo encaminhada não pode saber que uma recompensa foi dada a um terceiro.

Sim, o produto são as mulheres. Atualmente, eles buscam mulheres virgens ou que tiveram menos parceiros sexuais e fazem nas redes “pesquisas” para encontrá-las. Aqui, David aparece com outro perfil.

“Com quantas pessoas você já transou?”, perguntou o coach de predação sexual em uma enquete nos stories do Instagram.

Outra das práticas ensinadas é o Infield – interagir e gravar garotas no meio da rua, muitas vezes com câmeras escondidas e sem autorização. Ou, ainda mais grave, na captação de imagens, sem aviso algum, de atos sexuais. Esses conteúdos são compartilhados no YouTube e em grupos no Telegram, ambientes hostis que violam constantemente direitos de mulheres. No Brasil, a captação de atos sexuais sem a autorização de todas as pessoas envolvidas é crime, com pena de seis meses a um ano de detenção e multa.

“O lado bom de ser asiático e tentar passar a perna [nas mulheres] na Colômbia é que você não é rotulado como o típico gringo que vem fazer turismo sexual. A gente vai em encontros normais e tem bons entrosamentos”, dizia um post na área exclusiva para assinantes do site de Mike.

No Telegram, os mais de mil participantes naturalizam a violência doméstica, abusos e exploração sexual. Nas conversas, encontrei uma tabela com a comparação entre o número de mulheres por homem nas Filipinas e o índice de crimes e pobreza – situações que facilitam a violência de gênero. “Vá para a Venezuela. Pegar mulher é fácil quando a moeda é tão fodida”, escreveu um dos participantes. É exatamente a mesma lógica da sugestão que Arthur do Val, o Mamãe Falei, fez há um ano para um grupo de amigos no WhatsApp: no início da guerra da Ucrânia, o ex-deputado disse que refugiadas do país “são fáceis, porque são pobres”.

Festa e medo

“Eu estou indo atrás de segurança particular para me proteger. Não falo mais absolutamente nada sobre isso”, me disse uma mulher que entrevistei. Ela havia participado de uma festa promovida pelo grupo na mansão Maktub Morumbi, em São Paulo. Ao notarem que poderiam estar sendo aliciadas, mulheres publicaram vídeos e postagens sobre o assunto. Depois, sofreram ameaças de processo.

“Eu costumo assistir e postar vídeos no TikTok. Recentemente, vi um estrangeiro chamado Chris Lee passeando em São Paulo e postando reviews de restaurantes, e me interessei bastante. Também assisti um vídeo em que ele anunciava uma festa de networking para fazer amigos. Mas, até ali, ele não havia falado sobre o curso, nem mesmo que estava no Brasil com o Millionaire Social Circle”, disse João Raposo, advogado criminalista que está auxiliando um grupo de mulheres afetado pelo clube.

Legenda.

A arquiteta e apresentadora de TV Stephanie Ribeiro denunciou outro caso nas suas redes em 24 de fevereiro e, ali, lembrou uma famosa frase do ex-presidente Jair Bolsonaro: “Quem quiser vir aqui [no Brasil] fazer sexo com mulher, fique à vontade”. Ela expôs as atividades de Auston Holleman no Brasil, que usa táticas parecidas às do Millionaire Social Club. Por conta disso, sofreu várias represálias.

“Não recebi ameaças formais, mas foi horrível”, contou a arquiteta. Quando Ribeiro levou o caso ao Twitter e ao Instagram, um seguidor replicou: “A maioria das mulheres no Brasil estão [sic] à venda, são só fatos. A prostituição é um modo de vida lá, assim como na Colômbia”.

Holleman é dono de um canal no YouTube com quase 50 mil inscritos, no qual os vídeos têm títulos e legendas como: “Por que mulheres brasileiras gostam mais de criminosos do que dos caras legais?”. O norte-americano é um autêntico passport bro. Em resumo, um viajante vindo do exterior (mas não só) para encontrar mulheres mais “tradicionais” ou “submissas”, uma vez que as europeias e norte-americanas se tornaram mais exigentes e, portanto, “chatas”.

No YouTube, ele reclama abertamente disso e diz que tudo “é muito mais simples no Brasil”. As garotas norte-americanas, para ele, são menos “femininas” e tomam atitudes que deveriam ser reservadas aos homens, como telefonar primeiro. Elas ainda “levantam a voz como se fosse um cara”, se queixa Holleman, para quem, no Brasil, “as mulheres são doces.”

Os passport bros, são autênticos red pills, termo que se tornou mais conhecido após a atriz Livia La Gatto parodiar maravilhosamente o “coach de masculinidade” Thiago Schultz. Em comum com Holleman, Schultz também acha que um dos grandes problemas do mundo é mulher falando no mesmo tom que homem.

O aumento do masculinismo, fortemente atrelado à extrema direita, deve ser bem observado: Gracila Vilaça escreveu um bom texto a respeito no Nexo. Uma discussão no canal 2Hot2Handle, trata de um ponto importante: por que essa questão não ganhou evidência no Brasil, inclusive para as mulheres tomarem mais cuidado? Há análises que chamam atenção para a racialização das abordagens, uma vez que mulheres negras, indígenas e asiáticas são as mais procuradas. Em seu canal, AdrianXpression toca nesse ponto.

Também nas redes, os acusados procuram se defender. Chris Lee, por exemplo, rebate comentários sobre participar de um grupo de turismo sexual. Em resposta às críticas, ele escreveu: “Turismo sexual é pagar por prostitutas. Fale com as garotas que eles [os membros do clube] namoram, elas não são prostitutas”.

Já David Bond postou um vídeo se defendendo “das feministas”, no qual uma jovem asiática diz, logo na abertura, o quanto ele é “um cara legal”. A imprensa da Indonésia já classificou, em 2017, Bond como um “predador sexual“. Há ainda uma petição com quase 2,5 mil assinaturas denunciando-o pelos crimes de assédio e exploração sexual.

De acordo com a Organização Mundial do Turismo, o turismo sexual é definido como “viagens organizadas dentro ou fora do setor turístico, utilizando os recursos que o turismo oferece para enfim conseguir contatos sexuais.”No TikTok do Millionaire Social Clube, Mike e David apresentaram os kits que seus alunos trouxeram ao Brasil, com camisinhas e pílulas do dia seguinte. “Não existe uma definição legal do termo ‘turismo sexual’. A expressão, neste caso, é utilizada pois, ao que tudo indica, o objetivo principal dos membros do Millionaire Social Circle ao virem ao Brasil é se relacionar sexualmente com mulheres brasileiras, abusando de seu poder econômico para encantá-las”, apontou o advogado Raposo.

Em 2022, Mike e David visitaram 3 países: Costa Rica, Colômbia e Filipinas. Em fevereiro de 2023, no Carnaval, iniciaram a tour pelo Brasil. Passarão por Bangkok, em 8 de agosto, e em Bali, ainda sem datas definidas. Nas redes sociais, na semana passada, várias mulheres alertaram que membros do clube, incluindo David, estavam atuando em Florianópolis, no Sul do Brasil. Auston passou vários dias em Salvador.

Exposição e represálias

Após a repercussão do caso nas redes, a dupla à frente do Millionaire fez uma “exposição das feministas brasileiras”. Mike compartilha perfis de quem os critica, o que encoraja os seus alunos a procurarem e, muitas vezes, assediarem essas mulheres.

Legenda.

Recentemente, uma mulher chamada Gloria (não vamos publicar seu perfil) sofreu um ataque em massa. Mike conclamou seus seguidores a enviarem mensagens para a jovem.

O advogado João Raposo reforçou que vítimas de abuso podem e devem registrar ocorrência se sua imagem for usada sem consentimento para promover o curso, se forem filmados atos libidinosos privados sem autorização, se imagens de atos sexuais ou nudez forem divulgadas sem permissão ou se elas se sentirem enganadas para se relacionarem sexualmente com eles, todas práticas criminosas previstas no Código Penal brasileiro.

Com colaboração de Mariana Moraes ([email protected])