Aproximação de Bolsonaro com partidos fisiológicos, refúgio de condenados pela Justiça ”como Roberto Jefferson e Valdemar Costa Neto”, obedece à estratégia de sobreviver a um processo de impeachment. Negociação envolve cargos e um orçamento bilionário

(foto: Carolina Antunes/ PR)

A reaproximação de Jair Bolsonaro com os integrantes do Centrão, bloco parlamentar que ele integrou ao longo dos 27 anos como deputado federal, diz muito sobre a situação do presidente da República. Minado pelas crises que ele próprio criou, vendo os pedidos de impeachment se multiplicarem no Congresso, o chefe do governo acabou obrigado a buscar uma base parlamentar para chamar de sua, pressionado por uma crise sanitária mundial que provocará um número imprevisível de mortes e arrasará a economia.

Cada vez mais isolado, Bolsonaro está disposto a entregar aos novos aliados o controle de um orçamento de bilhões de reais, com a oferta de cargos em importantes órgãos públicos. O futuro, porém, parece obscuro, pois os movimentos indicam que o presidente sairá ainda mais desgastado da pandemia. O casamento com os antigos colegas deve ser tórrido, mas curto. As negociações do Planalto com o Centrão envolvem o PP, o PL, o Republicanos, o PRB, o PSD e o PTB. Os cerca de 200 votos do bloco parlamentar estão bem acima dos 172 necessários para evitar a abertura de um processo de impedimento do chefe do Executivo. 

O preço do Centrão é traduzido em números por um levantamento da ONG Contas Abertas. A pesquisa indica, por exemplo, que a cereja do bolo que celebrará a relação será o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), ligado ao Ministério da Infraestrutura, que tem, disponível para investimentos em 2020, um montante de R$ 6,9 bilhões. O glacê é o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, do MEC, que terá, para investimentos, R$ 1,8 bilhão. As demais camadas são a Fundação Nacional da Saúde (Funasa), com R$ 831,4 milhões, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), com R$ 727 milhões, e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), com capacidade de investimentos de R$ 265 milhões.Continua depois da publicidade

Vem, por último, o Banco do Nordeste, com total líquido das fontes em 2019 de R$ 36.211.039.007. Somados os valores dos órgãos e o da instituição bancária, a soma total é de R$ 10.611.342.802. 

Fundador e secretário geral da Contas Abertas, Gil Castello Branco alerta para o risco do aumento do populismo político por conta das negociações. “Os parlamentares que indicam afiliados para essas instituições têm em mente, além dos cargos, o gasto público com finalidade eleitoreira. Todos esses órgãos tem como característica uma quantidade de investimentos inclusive em obras, que colaboram para valorizar esses candidatos em época de eleições”, alerta.

É impossível não relacionar o toma lá dá cá com a situação de fragilidade política que Bolsonaro criou para si. “Com o presidente fragilizado e com um mau relacionamento com outros poderes, a possibilidade do impeachment existe e é concreta. A solução que ele encontrou foi a aproximação com o Centrão, que ele sempre negou que faria. O que prevalece, a partir daí, é o interesse político dos indicados, e não o interesse público. Normalmente, é isso o que acontece, e é lamentável”, comenta Gil Castello Branco. “O que nós precisamos são de obras públicas que atendam ao interesse da sociedade. Mas, as indicações virão de pessoas condenadas por corrupção, ou investigados. Roberto Jefferson cumpriu pena; (o senador) Ciro Nogueira é investigado”, critica.

A reportagem procurou o senador, que não quis falar sobre o acordo com Bolsonaro, e o presidente do PTB, Roberto Jefferson, que não atendeu às ligações. Já o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), afirmou que não cabe ao partido avaliar a forma como Bolsonaro busca construir uma base de apoio no Congresso. O deputado também frisou que o DEM manterá a autonomia e a independência na relação com o Executivo.

“Continuaremos a trabalhar com nossas convicções, com autonomia e independência na defesa de uma agenda econômica e de outras pautas importantes para a recuperação do país, principalmente em razão da crise do novo coronavírus. Ao mesmo tempo, nosso partido não adotará uma postura de revanchismo em relação ao governo, mesmo com alguns episódios recentes, como a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM)”, diz o líder partidário.

Relação “tórrida”

Para o analista político Melillo Dinis, a relação entre Bolsonaro e o Centrão terminará com uma traição, e o presidente da República sabe disso. Não seria uma questão de “se”, mas, sim, de “quando”. “Historicamente, o acordo com o Centrão é um duplo. De um lado, muita promessa, do outro, muita traição. É como aquele romance tórrido de livro, que você inicia e sabe que foi feito para durar pouco. O Centrão não é bancada, é condomínio, e de interesses. Mas acima de todos, o interesse da sobrevivência política, seja com o poder, seja com o dinheiro. É o tipo da relação que você entra porque está enfraquecido. E o Centrão adora os chefes da República enfraquecidos. Foi assim com Dilma, Temer e Collor”, avalia.

Melillo afirma que a traição partirá, justamente, dos parlamentares. “E Bolsonaro sabe disso, pois foi do Centrão por muito tempo. Era do mesmo partido do Roberto Jefferson. A história política brasileira é cheia de provas dessa traição. Especialmente quando os presidentes estão enfraquecidos na governabilidade”, ressalta. Continua depois da publicidade

Ricardo Caichiolo, cientista político e coordenador da Pós-Graduação do Ibmec Brasília, concorda com essa perspectiva. “A partir do momento em que o presidente Jair Bolsonaro se vê diante da possibilidade real de abertura de um processo de impeachment, ele escancaradamente entrelaça os braços com os representantes da velha política. Parte para o tradicional toma lá dá cá com o Centrão e abre a mala com ofertas para o comando de autarquias, empresas públicas e demais órgãos governamentais. Sepulta definitivamente seu discurso inverossímil contrário ao fisiologismo. Nada mais velho na política do que o presidente”, resume.

Nem o vírus escapa da barganha 

O governo negocia com o Centrão a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde, uma área estratégica na contenção da pandemia causada pelo coronavírus. A secretaria é chefiada pelo epidemiologista Wanderson Oliveira, braço direito do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. Wanderson permanece no cargo até o fim da transição para a gestão do novo ministro, Nelson Teich. A Secretaria em Vigilância está na linha de frente no combate à Covid-19. É responsável por ações de vigilância, prevenção e controle de doenças transmissíveis.

O candidato à Secretaria do Ministério da Saúde é o PL, partido comandado por Valdemar Costa Neto, ex-deputado condenado no mensalão. Apesar de negar oficialmente ter feito a indicação, o líder do partido na Câmara, Wellington Roberto (PB), já encaminhou um nome para o governo federal. O indicado para o cargo é um médico, segundo deputados do partido. A negociação acontece em meio à oferta de cargos federais para quatro grandes legendas do centrão: PP, PL, PSD e Republicanos.

O PL também indicou um nome para a chefia do Banco do Nordeste e para diretorias em quatro outros órgãos públicos. Já o PP tenta assumir o controle do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Por sua vez, o PSD negocia superintendências da Funasa nos estados; e o Republicanos, uma secretaria no Ministério do Desenvolvimento Regional. Todos os nomes indicados pelo Centrão estão com os currículos em fase de análise pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Segundo o governo, as nomeações no Diário Oficial devem ser publicadas em até 15 dias úteis a contar da data de envio de cada indicação. 

Fonte: Correio Braziliense