Quantos outros como João Pedro morrerão com a Necropolítica de Witzel?

por Katia Passos

Por Katia Passos e Lucas Martins, Jornalistas Livres 

“Quero dizer, senhor governador Wilson Witzel que a sua polícia não matou só um jovem de 14 anos com um sonho e projetos, a sua polícia matou uma família completa, matou um pai, uma mãe e o João Pedro. Foi isso que a sua polícia fez com a minha vida”.

Foi em razão da frase acima, um desabafo revoltado e trágico de Neilton Pinto, pai do garoto João Pedro, de 14 anos, que na segunda (18/05), enquanto brincava com primos em casa, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, foi atingido no peito por projétil de arma de fogo, que relembramos um fato público, de 50 anos atrás, que ocupou os jornais do Rio de Janeiro em março de 1968. Nada mudou.

Naquele começo de mês de março de 1968, Edson Luís de Souto Lima, um jovem estudante paraense do ensino médio secundarista foi baleado pela polícia e os jornais deram a notícia em destaque dizendo que ‘mataram um jovem estudante e ele poderia ser seu filho.’ Eram tempos duros também, pois o país sobrevivia em plena Ditadura Militar e hoje, parece que nada mudou em pleno 2020 de novo Coronavírus.

A necropolítica de Witzel e seus aliados não descansa nem mesmo durante a maior crise sanitária mundial. O Rio de Janeiro virou um necrotério.

Por isso, é muito óbvio para o restante do país e para o mundo, que hoje o Rio de Janeiro é um dos territórios brasileiros onde jovens estudantes são mais executados pela necropolítica dos governos racistas, ditatoriais e fascistas. Uma contradição absurda, visto que, a polícia não deveria protege-los? Mas sabemos a resposta.

É muito absurdo pensar que João Pedro Matos Pinto, de apenas 14 anos deixou o mundo. E como se a história não pudesse ser ainda mais trágica, depois de balearem o garoto, os policiais o levaram de helicóptero, “para socorre-lo”, sem satisfações à família. Sem desculpas, sem que ninguém pudesse sequer acompanha-lo.

A família ficou em choque e uma rede de amigos, coletivos e influencers pretos da internet rapidamente fizeram uma corrente em busca de João Pedro. Procura-se João Pedro era a frase mais veiculada nas redes sociais, desde a tarde, entrando pela madrugada desta terça 19 de maio.

O Corpo de Bombeiros, segundo o Jornal O Dia, informou que o menino foi deixado sem vida, por volta das 15h, de segunda-feira, 18/05, no Grupamento de Operações Aéreas (GOA) da Lagoa, Zona Sul carioca.

Somente depois de centenas de buscas realizadas de diversas maneiras e em diferentes lugares é que os familiares encontraram o corpo do menino no Instituto Médico Legal) de São Gonçalo e assim a morte foi confirmada. Que dor!

Cinicamente, hoje, uma nova operação das Polícias Civil e Federal foi realizada no mesmo bairro. Poucos dias atrás, na última sexta (15), uma outra ação no complexo do Alemão deixou pelo menos dez mortos, após a entrada do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) na comunidade.

A carioca Mônica Cunha, que já perdeu um filho nas mesmas circunstâncias e hoje coordena o Movimento Moleque e a Comissão de Direitos Humanos da ALERJ, nos disse, por telefone, que acha um absurdo que em meio à pandemia do Coronavírus, Witzel continue admitindo essas operações de morte dentro das favelas do Rio de Janeiro: “Na sexta feira, foi no Complexo do Alemão, uma verdadeira chacina. E ontem, em São Gonçalo, mais uma operação desastrosa com a morte deste menino”.

Para Jacqueline Muniz, professora do bacharelado em segurança pública da Universidade Federal Fluminense, a atuação da polícia se insere em um contexto maior:  “Seguimos de desastre operacional em tragédia social por conveniência política e conivência corporativista. Qual doutrina policial, de uso da força profissional, valida este tipo de operação? Precisa que mais um João Pedro, mais um menino, mais um de nós morra para reconhecer que polícias, em democracias, não são autarquias sem tutela que se auto governam. O meio de força não decide seus fins, o martelo não desenha a mão e não decide seu uso”.

O Ministério Público Estadual, outra instituição que poderia ter sido mais dura no trato com o caso de João Pedro, divulgou uma nota meramente protocolar e informativa: A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) instaurou inquérito para apurar a morte de um adolescente ferido durante operação da Polícia Federal com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Foi realizada perícia no local e duas testemunhas prestaram depoimento na delegacia. Os policiais foram ouvidos e as armas apreendidas para confronto balístico. Outras diligências estão sendo realizadas para esclarecer as circunstâncias do fato. A ação visava cumprir dois mandados de busca e apreensão contra lideranças de uma facção criminosa. Durante a ação, seguranças dos traficantes tentaram fugir pulando o muro de uma casa. Eles dispararam contra os policiais e arremessaram granadas na direção dos agentes. No local foram apreendidas granadas e uma pistola. O jovem foi ferido e socorrido de helicóptero. Médicos do Corpo de Bombeiros prestaram atendimento, mas ele não resistiu aos ferimentos. O corpo foi encaminhado para o IML de São Gonçalo.”

Então, com um Estado que não garante o direito à vida o que pode acalentar os pais de João Pedro? Quanto mais serão vítimas da necropolítica?

Reações

Depois que a execução de João Pedro ganhou repercussão nas redes sociais, diversas manifestações de apoio à família e repúdio à tragédia tomaram as redes. Aqui ttazemos algumas delas.

“Não podemos aceitar que João Pedro seja apenas mais um adolescente negro na estatística. Nosso mandato está em contato com a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, sugerindo iniciativas para ajudar a família do adolescente morto dentro de sua própria casa. Isso precisa acabar!” Talíria Petrone, Professora de História, negra, feminista. Ex-vereadora de Niterói e deputada federal pelo PSOL do Rio de Janeiro 

“Foi confirmada a morte do menino João Pedro, atingido ontem dia 18, por um tiro na barriga, dentro de casa, durante operação no Complexo do Salgueiro, RJ. Sua família ficou sem notícias até esta manhã. À ela, minha solidariedade neste momento revolta e dor. “NÃO VEJO A HORA DE TUDO VOLTAR AO NORMAL”. A vida normal, gostosa, boa, cheia de desafios, sonhos e expectativas que você está louca pra ter de volta, sempre coexistiu com vidas violentadas, desvalorizadas e interrompidas. Desde sempre gritamos! Onde estavam que nunca ouviram? Os corpos aos montes em necrotérios, que hoje assusta brancos pelo Covid19, é o normal para negros, TAMBÉM pelos tiros da polícia. O estado genocida, a violência policial, militar e civil que mata 45 mil negros por ano no Brasil, são pandemias de sempre. Douglas Belchior, professor de história e militante da Uneafro Brasil 

“2020, uma pandemia global assola o mundo. Há muitas mortes, colapso da saúde, fome, sede e dor. No Brasil, em meio a tudo isso, no estado do Rio de Janeiro o governador usa sua polícia para cometer ações violentas nas favelas e periferias, inclusive assassinando pessoas como João Pedro, um adolescente de 14 anos que estava dentro de sua casa, fazendo o isolamento social pedido pela Organização Mundial da Saúde, para evitar a contaminação do #coronavírus. Que a história lembre de @wilsonwitzel como tão monstruoso como o vírus da pandemia desses tempos. Raull Santiago, comunicador social do portal Papo Reto e membro da Anistia Brasil 

“Na noite de ontem recebemos a notícia do assassinato de João Pedro, que tinha apenas 14 anos. Mais um jovem assassinado por essa política de segurança pública que tem a morte como destino final para os nossos corpos favelados. Onde era pra chegar água, comida e cuidado, ainda mais em tempos de pandemia, vemos a realidade, vemos o que o Estado nunca deixou de levar para a favela, o seu braço armado.” Renata Souza, deputada estadual pelo Psol no RJ.

“Domingo, Demétrio, pela dor imputada por um sistema que nos atravessa a vida. Fazendo com que pensemos todo dia, toda hora: seja forte, seja guerreirx, lute, lute, lute…É assim que deve ser, senão for assim, te caçam e destroçam nos dentes. Mastigando aos poucos, vão moendo a vontade, o desejo, a vida… Hoje, João uma criança de 14 anos. Para o mesmo sistema, um suspeito, um corpo massificado no meio de outros corpos negros, onde todos eles são nada mais que um número na assistência precária do Estado, na morte por bala, nas filas dos hospitais… João Pedro foi baleado em casa. Nem o isolamento social lhe deu a chance de continuar.” Erica Malunguinho, deputada estadual pelo Psol em SP

“Depois de horas sem saber do filho, a família do João Pedro, jovem de 14 anos baleado dentro de casa, descobre que ele está no IML. Desumano. Triste. Avassalador. Até quando o Estado vai enxugar o sangue de jovens, pretos e favelados?” Áurea Carolina, Lutadora negra feminista. Especialista em gênero e igualdade e mestra em ciência política. Ex-vereadora de BH e deputada federal pelo Psol 

Outros casos

Maria Eduarda, uma menina de 13 anos, foi morta em 2017, enquanto fazia aula de Educação Física, na Escola Municipal Jornalista Daniel Piza, em Acari, na Zona Norte do Rio. O Policial Militar, Fábio de Barros Dias foi apontado como responsável pelo tiro que matou a garota.

Marcus Vinicius da Silva, jovem de 14 anos, foi morto na Maré, Zona Norte, em 2018. A mãe dele, que o viu morrer na Unidade de Pronto Atendimento, contou que ele disse ter visto o tiro sair de um “blindado” da PM.

Ágatha Vitória Sales Félix, uma menina de 8 anos, foi morta por um tiro no complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, em setembro de 2019. Enquanto estava com a mãe em uma Kombi, foi atingida por um tiro. Os moradores da região e testemunhas afirmaram que o disparo veio de um Policial Militar e em novembro de 2019, o inquérito reforçou a versão.

Para nós, Jornalistas Livres não foi tarefa fácil racionalizar para escrever esse texto, que na verdade é também um desabafo.

Somos mães, pais, irmãos, tios, primos de nossas crianças e enfim, seres humanos que não aceitam essa história.

Por isso, seguimos impressionados com a capacidade dessa máquina de opressão e morte, e com a necropolítica fortemente implementada no Estado do Rio, por Wilson Witzel e desejamos muito que a família do garoto João Pedro encontre uma maneira de fazer com que isso nunca mais seja esquecido e sobretudo, que essa história horrível seja resolvida de alguma maneira. A vida de João Pedro não volta mais, claro, mas queremos registrar o nossa força para continuar acompanhando o desenrolar desse caso. 

João Pedro, presente! Hoje e Sempre! 

A cada 23 minutos, mais uma mãe preta chora⁣
Coração apertado e ele só foi jogar bola⁣
Se tiver atrasado, devagar, não corre agora.⁣
A polícia não viu que era roupa da escola?⁣
Necropolitica é isso, ⁣
Te incomoda?!⁣
Mbembe me ensinou⁣
E eu to repassando agora!⁣
Cheguei falando alto, agora tô fazendo alarde⁣
Espero que entenda e comece a sua parte! ⁣
Porque⁣
Não vai chorar sua mãe⁣
Nem vai chorar a minha⁣
Povo preto se armando⁣
Com a palavra e a escrita⁣
Não vai chorar sua mãe⁣
Nem vai chorar a minha⁣
Povo preto se armando⁣
Conhecimento é a saída. ⁣
(Bia Ferreira)

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Necropolítica é um conceito desenvolvido pelo filósofo negro, historiador, teórico político e professor universitário camaronense Achille Mbembe que, em 2003, escreveu um ensaio questionando os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer. A tese virou livro e chegou ao Brasil em 2018, publicado pela editora N-1. Para Mbembe, quando se nega a humanidade do outro qualquer violência torna-se possível, de agressões até morte.