“Esta temeridade ameaça todos nós e os gerentes do império estadunidense não podem fazer estes jogos com as nossas vidas”, diz jornalista sobre aprofundamento da guerra na Ucrânia
Artigo de Caitlin Johnstone originalmente publicado no site da autora em 12/10/22. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para Brasil 247
O ministro das relações exteriores da Rússia Sergei Lavrov disse na terça-feira (11/10) que Moscou estava aberta à ter conversações com os EUA, ou com a Turquia, sobre terminar a guerra na Ucrânia, alegando que as autoridades estadunidenses estão mentindo quando dizem que a Rússia tem se recusado a engajar-se em conversações para a paz.
A agência Reuters reporta o seguinte:
Lavrov disse que as autoridades [estadunidenses], incluindo o porta-voz da Casa Branca para a segurança nacional, John Kirby, disse que os EUA estavam abertos às conversações, mas que a Rússia se recusou.
“Isto é uma mentira”, disse Lavrov. “Nós não recebemos quaisquer ofertas sérias para fazer contato.”
A alegação de Lavrov recebeu mais peso quando o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA Ned Price descartou a possibilidade de entrar em conversações de paz pouco depois da oferta ter sido feita, citando os recentes ataques de mísseis russos a Kiev.
“Nós vemos isto como uma encenação”, disse Price numa conferência de imprensa na terça-feira. “Nós não vemos isto como [algo] construtivo, ou como uma oferta legítima de engajar-se no diálogo a na diplomacia que são absolutamente necessários para vermos o fim desta guerra brutal de agressão contra o povo e o Estado, o governo da Ucrânia.”
Isto é indesculpável. Num momento em que o nosso mundo está no momento mais perigoso desde a Crise dos Mísseis Cubanos – segundo muitos especialistas, bem como o presidente dos EUA – o governo dos Estados Unidos não tem razão para tomar a decisão de não sentar-se com as autoridades russas e trabalhar na direção da desescalação e da paz. Não lhes compete fazer esta alegação em nome de todos os organismos terrestres deste planeta, cuja vida está sendo arriscada nestes jogos de temeridades nucleares. O fato que esta guerra foi escalada com ataques de mísseis à capital ucraniana torna as conversações de paz mais necessárias, não menos.
Esta rejeição se torna muito mais ultrajante pela nova informação do The Washington Post de que o governo dos EUA não acredita que a Ucrânia consiga vencer esta guerra e se recusa a encorajá-la a negociar com Moscou.
“Em caráter privado, as autoridades estadunidenses dizem que nem a Rússia, nem a Ucrânia são capazes de vencer completamente esta guerra, mas elas descartaram a ideia de forçar, ou mesmo cutucar a Ucrânia para ir à mesa de negociações”, reporta o The Washington Post. “Eles dizem que não sabem o que se parecerá o final da guerra, ou como nem quando ela terminará, insistindo que a decisão cabe à Kiev”.
Considerados juntos, estes dois pontos dão uma credibilidade até maior ao argumento que eu tenho feito desde o começo desta guerra: que os EUA não querem a paz na Ucrânia; ao contrário, eles querem criar um custoso pantanal militar para Moscou, assim como as autoridades estadunidenses confessaram que tentaram fazer no Afeganistão e na Síria. O que explicaria porque o secretário de defesa dos EUA Lloyd Austin disse que, na verdade, a meta dos EUA na Ucrânia é “enfraquecer” a Rússia e também porque o império parece ter sabotado ativamente um acordo de paz entre a Ucrânia e a Rússia nos primeiros dias do conflito.
Esta guerra por procuração não tem uma estratégia de saída. E isto está inteiramente conforme o planejado.
Muitos têm conclamado os EUA a abandonarem a sua política de apoiar ativamente esta guerra, enquanto evitam as conversações de paz.
“A fala do Presidente Biden, estamos no topo da escalada de linguagem, se quiserem”, disse o ex-chefe do Estado Maior Mike Muller ao programa ‘This Week’ da rede televisiva ABC no domingo passado, com relação ao recente comentário do presidente de que este conflito poderia levar ao “Armagedom”.
“Eu penso que nós precisamos recuar um pouco disso e fazer tudo o que pudermos para tentar chegar à mesa de negociações e resolver esta coisa”, disse Mullen, acrescentando que “como é típico de qualquer guerra, esta tem que acabar e, geralmente, há negociações associadas a isto. Quanto antes, melhor, no que me concerne”.
“Uma coisa que os EUA podem fazer é … desistir da posição oficial de que a guerra deva continuar para enfraquecer severamente a Rússia – o que significa que não haverá negociações”, argumentou Noam Chomsky numa recente aparição no programa de TV ‘Democracy Now’. “Será que isto abrirá o caminho para as negociações, para a diplomacia? Não podemos ter certeza. Há somente uma maneira de descobri-lo: tentando fazê-lo. Se você não tentar, obviamente isso não ocorrerá”.
“Está na hora de que os EUA suplementem o seu apoio militar à Ucrânia com um percurso diplomático para lidar com esta crise antes que a mesma saia fora de controle”, disse George Beebe, do ‘Instituto Quincy’, após os ataques de mísseis sobre Kiev na segunda-feira, chamando-os de “uma importante escalada da guerra” que poderia “trazer o mundo mais próximo de uma colisão militar direta entre a Rússia e os Estados Unidos”.
“Os estadunidenses devem chegar a um acordo com os russos. Assim, a guerra chegará ao fim”, disse o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban num evento na terça-feira, acrescentando que “qualquer um que pensa que esta guerra será concluída através de negociações russo-ucranianas, não está vivendo neste mundo”.
É absolutamente insano que as duas superpotências nucleares do mundo estão acelerando na direção de um confronto militar direto e que nem sequer estão falando entre si; e é até mais louco que qualquer um que diga que eles deveriam conversar acaba sendo chamado de um agente do Kremlin e um apaziguador tipo-Chamberlain. O analista Harry Kaianis, da ‘Responsible Statecraf’, discute esta dinâmica bizarra num artigo recente intitulado “Talking is nos appeasement – it is avoiding a nuclear Armageddon” (Conversar não é um apaziguamento – é evitar um Armagedom nuclear, em português):
Eu conduzi mais de trinta simulações de combate em jogos de guerra dirigidos por mim para um empreiteiro privado de defesa nos últimos meses, olhando para vários aspectos da guerra Rússia-Ucrânia e uma coisa fica clara: as probabilidades de ocorrer uma guerra nuclear aumentam significativamente a cada dia que passa.
Em cada cenário que eu testei, o governo Biden lentamente dá cada vez mais armas avançadas à Ucrânia – como os ATACMS, os F-16 e outras plataformas que a Rússia tem advertido consistentemente que constituem uma ameaça militar direta a ela. Porquanto cada cenário postula um ponto diferente no qual Moscou decide usar uma arma tática nuclear a fim de se contrapor a plataformas convencionais que ela não pode derrotar facilmente, as probabilidades de que a Rússia use armas nucleares aumentam, à medida que recursos militares mais poderosos são introduzidos pelo Ocidente no campo de batalha.
Na verdade, ocorre algum tipo de troca de disparos de armas nucleares em 28 dos trinta cenários que eu conduzi desde que a guerra começou.
A boa notícia é que há uma maneira para se sair desta crise – por mais imperfeita que esta possa ser. Nos dois cenários nos quais a guerra nuclear foi evitada, as negociações diretas levaram a um cessar-fogo.
Repito novamente que é uma insanidade absolutamente cega e sem nexo que estas negociações não estejam sendo conduzidas agora. Façamos pedidos a todo e qualquer poder superior no qual temos fé de que isso mude logo. Também façamos pedidos aos líderes das nossas respectivas nações do mundo para que exerçam qualquer tipo de pressão que estas possam fazer sobre Washington para que estas conversações comecem. Esta temeridade ameaça a todos nós e os gerentes do império estadunidense não podem fazer estes jogos com as nossas vidas.