Daqui para frente, no que se refere a apoio popular, Bolsonaro só perde, no máximo preserva o que tem. Isso talvez explique os gritos, os palavrões. É o rugido do animal acuado, com medo, desesperado

por Jornalistas Livres

ARTIGO

Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Os infectologistas nunca estiveram tão na moda. Vinte e quatro horas por dia. É só ligar a TV e tropeçamos em um infectologista transbordando termos técnicos, falando em curva de transmissão para cá, curva de óbitos para lá. Curvas, curvas e mais curvas. Tomo esse vocabulário emprestado para analisar o atual momento do bolsonarismo.

O bolsonarismo fez suas vítimas fatais, e são bem mais numerosas do que os 30 mil já levados pela covid-19. Parte da população brasileira morreu para o convívio democrático. Essa gente não volta mais à razão. Eles precisam ser isolados. Durante algum tempo, essa parcela correspondia a 30% da sociedade. Os famosos 30%, resilientes, leais ao bolsonarismo. Porém, a última pesquisa realizada pelo instituto Datafolha (publicada em 29 de maio) mostra algo novo.

1°) A faixa cinza dos que avaliam o governo como “regular” vai se estreitando e o coro da rejeição vai engrossando. Os indecisos estão migrando para o campo do antibolsonarismo. Essa é tendência sólida.

2°) A aprovação do governo ficou em níveis já conhecidos, ali na casa dos 30%. Mas não são os mesmos 30% de antes. Desses 30%, 11% são formados por novos apoiadores, que avaliam positivamente o governo por causa da primeira parcela do auxílio emergencial liberado para amparar as famílias em meio à epidemia. Isso sugere que a crise com Sérgio Moro e a aproximação com o centrão derreteram parte da base orgânica do bolsonarismo, perda que por enquanto está sendo compensada pelo refluxo dos amparados. Mas esses novos apoiadores não são militantes. São pessoas desesperadas. Apoio desesperado é sempre volátil. O bolsonarismo raiz está em algo próximo a 20%.

Os dois movimentos detectados pela pesquisa sugerem que a epidemia bolsonarista entrou na “fase platô”. A curva está achatada. Não há mais espaço de crescimento. Daqui para frente, no que se refere a apoio popular, Bolsonaro só perde, no máximo preserva o que tem. Não haverá uma segunda onda de contaminação. Isso talvez explique os gritos, os palavrões. É o rugido do animal acuado, com medo, desesperado. De manhã, Bolsonaro ameaça o país de golpe. De tarde, recebe os deputados do centrão para negociar cargos e verbas. Se há condições objetivas para o golpe, por que se enlamear junto ao centrão, sacrificando a narrativa da “nova política”?

Talvez hoje não existam condições objetivas para o golpe. Talvez hoje os generais palacianos não sejam capazes de arrastar a tropa para uma aventura golpista. Mas não há dúvidas de que estão tentando. Não há dúvidas de que vivemos uma atmosfera de golpe. Neste exato momento, há pessoas tentando viabilizar a implantação de um regime de força, reunindo quadros das forças armadas, das PMs e grupos paramilitares.

Bolsonaro sobrevoa o STF de braços dados com o ministro da Defesa. Augusto Heleno ameaça a República. Mourão diz para deixar o “homem governar”. Cada vez mais a solução de um governo moderado, austero, técnico, comandado por Hamilton Mourão fica menos provável. Já não é tão fácil abandonar Bolsonaro. Os militares com cargos no governo estão atolados até o pescoço na lama do bolsonarismo. São cúmplices de crimes que vão da lavagem de dinheiro à formação de grupos de extermínio. No mínimo são prevaricadores. No mínimo.

O Ministério da Saúde está ocupado por militares, a maioria sem qualificação técnica para enfrentar a maior crise sanitária da história do país. No dia em que escrevo este texto, o Brasil registrou mais de 1.200 mortos pela covid-19. Há quem diga que entraremos agosto na casa dos 200 mil mortos. O Exército brasileiro carregará sobre os ombros essa tragédia. Não há mais como desvincular o Exército do bolsonarismo. Até pouco tempo isso era possível. Hoje, não mais.

No último domingo, 31 de maio, a Avenida Paulista se tornou arena de uma batalha campal. Pela primeira vez, grupos antifas ocuparam as ruas para confrontar a malta fascista, que até aqui fazia o que bem entendia, sem ser incomodada. Esses grupos são formados por membros de torcidas organizadas, homens com know-how de conflito de rua. Não são militantes de esquerda good vibes não. Não é a galerinha da bicicleta de bambu, do sarau de poesia. É uma moçada de periferia, boa de porrada.

Enquanto isso, começa a tomar corpo na sociedade civil o movimento dos 70%, que busca organizar a rejeição ao bolsonarismo em uma pauta comum mínima de defesa da democracia. A iniciativa é vista com desconfiança pelo Partido dos Trabalhadores. Lula se recusou a assinar o manifesto. Haddad se insubordinou e assinou.

É viável uma frente ampla sem o PT, que ainda é muito forte entre as esquerdas brasileiras? O anti-petismo se tornou força tão interditante a ponto de a própria frente ampla caminhar melhor sem o PT?

Perguntas ainda sem respostas.

Fato fato mesmo é que a curva do bolsonarismo está achatada, o que não é exatamente uma boa notícia. O bolsonarismo é diferente do corona vírus. É mais letal. É muito mais perigoso.

Isolado, rejeitado pela ampla maioria e limitado a 1/5 da população, sem nada a perder. Nesse cenário, o Bolsonarismo transforma a presidência da República num bunker de sobrevivência ocupado por bandidos armados e apavorados. O golpe, então, deixar de ser um desejo, um horizonte de possibilidade constantemente evocado, para se tornar questão de vida ou morte.

Mesmo que seja derrotada, uma tentativa de golpe sempre ceifa vidas, instaura um trauma na memória nacional e desmoraliza o país no mundo inteiro, afastando investidores.

A curva achatou, mas o vírus do bolsonarismo continuará matando o brasil por muito tempo.