Esse governo é uma tragédia: entenda a atrapalhada operação montada para tentar restaurar a imagem do capitão-presidente no exterior
Ronaldo de Assis Moreira, o Ronaldinho Gaúcho, completa hoje 150 dias de prisão no Paraguai, acusado, junto com o irmão Roberto, de falsificação de documentos. O crime envolve outros 13 paraguaios que cometeram mais de uma dezena de delitos. Ronaldinho foi a Assunção participar do lançamento de uma biografia e inaugurar um cassino virtual. O cachê seria doado a uma ONG que cuida de crianças carentes. Seria um ato louvável.
Por Dacio Malta*
Mas, quando ele se preparava para a festa, em um luxuoso clube, a polícia foi a sua suíte e encontrou passaportes e carteiras de identidade paraguaios com o seu nome e foto.
A festa foi suspensa e Ronaldinho, algemado, trocou o apartamento por uma cela na Agrupación Especializada da Polícia Nacional, onde comemorou os seus 40 anos.
A prisão movimentou uma banca de cinco advogados, e até mesmo o então ministro da Justiça Sérgio Moro telefonou seguidas vezes para Assunção, tentando a libertação. O colega paraguaio disse que nada poderia fazer em favor do craque — o único jogador a ter conquistado a Champions League, a Libertadores, a Copa do Mundo e a ser eleito o melhor jogador de futebol do mundo dois anos seguidos; 2004 e 2005. Moro, no episódio, saiu duplamente desmoralizado: primeiro por tentar interferir na prisão, segundo por não obter a libertação do detento.
Na verdade, o marreco estava cumprindo uma determinação absurda do presidente — mais uma entre tantas tarefas a que se prestou.
Em setembro do ano passado, durante uma audiência com Bolsonaro, o ex-jogador do Barcelona foi nomeado embaixador do turismo brasileiro, com a missão de “recuperar nossa imagem internacionalmente”, conforme informava a Embratur.
Ele participaria de uma campanha ao lado de um seleto grupo de “embaixadores”, como o cantor Amado Batista, a dupla sertaneja Bruno & Marrone e lutador de jiu-jitsu Renzo Gracie.
Ocorre que o “embaixador” estava proibido de deixar o país, pois teve seu passaporte apreendido em 2015, após uma condenação por dano ambiental em Porto Alegre, onde construiu uma plataforma de pesca ilegal em área de preservação ambiental.
A apreensão do passaporte pela Justiça comum e depois confirmada pelo Supremo, obrigava o jogador a pagar uma multa no valor de R$ 8,5 milhões, quantia que ele disse não possuir.
No início de abril, depois de três tentativas frustradas, e graças à Covid-19, Ronaldinho conseguiu deixar a cela e passou cumprir prisão domiciliar no Hotel Palmaroga, um quatro estrelas no centro de Assunção, que está funcionando exclusivamente para atender o jogador, já que por conta da pandemia continua fechado para clientes até dia 24 de agosto.
Ele conseguiu ir para o hotel, depois de pagar fiança de US$ 1,6 milhão — pouco mais de R$ 8 milhões — a mesma quantia que ele disse não possuir para quitar a multa com a Justiça brasileira.
Pagando uma diária de quase 600 dólares, para ele e seu irmão, Ronaldinho não está de todo mal. Pode circular livremente pelos corredores do hotel, conversar com os funcionários, dar entrevistas, utilizar a piscina, a academia e o restaurante, além de dispor de wi-fi. Graças a ele, o jogador já participou de três lives de grupos de pagode e, esta semana, compôs, pelo Zoom, uma samba com seu amigo Salgadinho.
A primeira entrevista que concedeu foi no dia 26 de abril ao programa “Crime e Castigo”, da ABC TV, quando agradeceu a “hospitalidade do povo paraguaio” , principalmente quando estava na cela da Agrupación, onde boa parte dos dias atendeu a pedidos de selfies com presos e policiais, deu autógrafos e jogou bola com seus colegas de cárcere: “Era importante dar uma alegria aquele pessoal que estava, como eu, na mesma situação”.
Na entrevista, Ronaldinho contou sua versão para o crime: “Recebi os documentos de presente, logo quando desembarquei em Assunção. Não sabia que eram falsificados”.
O argumento é tão tolo que chega a ser difícil fazer qualquer comentário.
Afinal, o craque não pediu naturalização, é conhecido mundialmente, e sonhava em viajar ao exterior com um documento falso.
Seria uma operação típica das antigas Organizações Tabajara. Ronaldinho, e seu passaporte paraguaio, correndo o mundo e tentando restaurar a imagem do governo do capitão.
*Dacio Malta trabalhou nos três principais jornais do Rio – O Globo, Jornal do Brasil e O Dia – e na revista Veja.