Para representantes dos pioneiros, lojas abertas acabaram com a tradição; há quem questione até a data do aniversário
Dourados, a segunda maior cidade de Mato Grosso do Sul, com 218 mil habitantes – conforme estimativa do IBGE de 2017 – faz 84 anos de emancipação hoje, 20 de dezembro. Assim como ocorre há vários anos, o feriado vale apenas para órgãos públicos, bancos e alguns estabelecimentos comerciais. Pensando nas vendas para o Natal, as lojas do centro venceram há muito tempo a queda de braço com os tradicionalistas e abrem normalmente nesta sexta-feira.
Por muitos anos segunda maior economia sul-mato-grossense, Dourados foi superada por Três Lagoas – atualmente dona do segundo maior PIB (Produto Interno Bruto) no Estado. Mas possui larga vantagem na condição de segunda em população e estrutura. É polo de uma região de 33 municípios, onde mora quase um milhão de habitantes.
É em Dourados que a população dessas cidades procura emprego, serviços de saúde, educação superior, compra roupas, conserta o carro e busca diversão.
Povoado que até 20 de dezembro de 1935 pertencia ao município de Ponta Porã, Dourados perdeu ao longo dos anos a tradição de comemorar o próprio aniversário. Como vem ocorrendo nos últimos anos, em 2019 não houve programação específica para a data. Nada de desfile, festa, lançamento de obras.
Devido à proximidade com o Natal, a prefeitura organiza eventos voltados para a data e aproveita para colocar o aniversário da cidade no meio. Depois de ser proibida pela Justiça em 2018, em 2019 acontece de novo o “Natal para Todos”, programação desenvolvida pela prefeitura para marcar as festas de natalinas e de fim de ano.
Tradicional mesmo, só a Seresta dos Pioneiros, feita por músicos das antigas, a maioria descendente dos desbravadores de Dourados. As apresentações começam às 19h e vão até o início da madrugada em bares e restaurantes do centro e no Shopping Center.
Para o advogado, historiador e descente de pioneiros Rozemar Mattos, a abertura do comércio no dia 20 de dezembro descaracteriza o aniversário da cidade. Todos os anos, os descendentes de pioneiros reclamam da falta de programação específica para comemorar a data. “Quem deveria organizar é a prefeitura, que fica inerte”, afirma Rozemar, presidente do Centro Cívico Histórico e Cultural 20 de Dezembro. É a entidade que organiza a seresta de hoje à noite.
Data errada – Desde 2015 o Campo Grande News mostra a luta de um grupo de pesquisadores locais para mudar a história de Dourados. Segundo eles, há vários fatos históricos são questionados, inclusive feitos de pioneiros como Marcelino Pires, nome da principal avenida da cidade, e até mesmo a data de aniversário.
Estudo entregue em 2016 à Câmara de Vereadores e “engavetado” pelo Legislativo, afirma que o tenente Antônio João Ribeiro, herói da Guerra do Paraguai que dá nome à principal praça da cidade e inspirou a frase “Terra de Antônio João” no brasão oficial, morreu bem antes de o povoado ser fundado.
A comissão de revisão histórica defende como data correta de fundação o 15 de junho de 1914, quando foi criado o Distrito de Paz de Dourados. O relatório também questiona a condição de Marcelino Pires como fundador de Dourados e defende mudança no brasão, para retirada da frase “Terra de Antônio João”.
Segundo o professor e historiador Carlos Magno Mieres Amarilha, responsável pelo estudo, a lei definindo o 20 de dezembro como aniversário de Dourados foi promulgada pela Câmara de Vereadores no dia 23 de outubro de 1953, por iniciativa do então vereador Aguiar Ferreira de Sousa.
Aguiar tentou, mas não conseguiu, naquele ano, fazer uma festa para comemorar o aniversário. Festa mesmo só teve em 1954, organizada pelo então prefeito Nelson de Araújo.
Amarilha afirma que documentos da época provam a contestação pela data. Muitos defendiam comemorar o aniversário em 22 de janeiro, quando foi assinada a primeira ata de posse do primeiro prefeito, em 1936.
O relatório engavetado na Câmara aponta como prova sobre a data de fundação da cidade a Lei nº 658, de 15 de junho de 1914. Naquele dia foi criado o Distrito de Paz de Dourados com sede no “Patrimônio dos Dourados”, constituída no governo de Joaquim Augusto da Costa Marques.
Carlos Amarilha afirma que a lei 658 é o primeiro documento oficial mais antigo relacionado ao atual município de Dourados. O Distrito de Paz pertencia ao município de Ponta Porã.
O pouco caso do poder público com a data e o questionamento dos pesquisadores ajudou a enfraquecer a importância do 20 de dezembro para a população de Dourados. Muitas pessoas passarão o dia hoje sem saber o que de fato a data representa.
Arco-íris sobre a Catedral de Dourados (Foto: Eliel Oliveira)
Fonte: Campo Grande News