O Coletivo de Artistas Transmasculines (CATS) —primeiro coletivo de artistas transmasculines do Brasil— irá lançar
no dia 21 de agosto uma Carta Manifesto em prol da visibilidade e
representatividade de seus pares nas artes. Essa ação acontece num
momento em que ainda existe uma notória ausência de artistas
transmasculinos, na indústria do entretenimento brasileiro, reverberando a
pouca demanda de projetos a fins. Mesmo quando aparece uma obra
artística que trata do tema da transmasculinidade, são sempre pessoas
não-trans quem as escreve, produz, dirige e interpreta.

Filmes emblemáticos que trataram do tema como “Vera” (Brasil-1986)
sobre a vida do poeta e escritor transmasculino Anderson Herzer, “Boys
don’t cry” (EUA-1999) que relata as circunstâncias que geraram o
assassinato do homem trans Brandon Teena e Tom Boy (França-2011)
sobre as dificuldades de uma criança transmasculina ao tentar interagir
com seus colegas do bairro, foram construídos de ponta a ponta por
pessoas não-trans. Além dessas obras cinematográficas terem os
personagens trans interpretados por atrizes cisgêneras, em seus releases
de divulgação trataram homens trans como “mulheres que se passavam
por homens”, como se a transmasculinidade fosse uma falsa identidade.

Leo Moreira Sá

Para que esse cenário de apagamento de nossas identidades nas artes
possa mudar, é preciso que pessoas transmasculinas ocupem todos os
espaços da indústria do entretenimento, desde os bastidores até a
atuação. A baixa demanda de projetos envolvendo personagens trans
deve-se principalmente ao fato de não estarmos no centro da criação de
nossas próprias histórias.

A Carta Manifesto surgiu quando os artistas homens trans Leo Moreira Sá — ator,
dramaturgo e lighting designer — e Daniel Veiga — dramaturgo, ator e diretor —, se
encontraram no início do ano para buscar um caminho que pudesse reverter o cenário
de invisibilidades que insiste em apagar artistas transmasculines.

A decisão de trazer à tona a discussão sobre a invisibilidade transmasculina
nas artes foi impulsionada por um acontecimento trágico: o suicídio de
Demétrio Campos, um jovem ator e bailarino trans negro periférico. Nascido
numa comunidade do Rio de Janeiro, Demétrio havia recém se mudado para
São Paulo e estava tentando impulsionar sua carreira artística quando o
isolamento provocado pela pandemia do Covid-19 causou o cancelamento de
diversos projetos na área, lançando-o numa situação ainda mais precária, algo
comum entre artistas, sobretudo pessoas trans. Um estudo realizado pelo
Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT do departamento de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
concluiu que 85,7% dos homens trans já pensaram em suicídio ou tentaram
cometê-lo. Enquanto travestis e mulheres trans são assassinadas em números
que só crescem a cada dia, homens trans “suicidados” pela transfobia
estrutural. Esses números alarmantes não são divulgados, contribuindo para a
invisibilidade dessas identidades.A morte de Demétrio e esses dados assustadores, trouxeram a certeza de que
era preciso iniciar um movimento que questionasse a ausência de projetos e a
falta de interesse da indústria do entretenimento com relação a artistas
transmasculines.

Daniel Veiga



Para dar potência a esse movimento, que só teria sentido se fosse um
instrumento político que pudesse aglutinar e mover outres artistas em torno da
luta comum contra a invisibilidade de nossa comunidade, os artistas homens
trans Leo e Daniel criaram o CATS —Coletivo de Artistas Transmasculines.
Com este projeto estratégico, outras pessoas transmasculines uniram-se aos
dois, todes artistas, em uma iniciativa que busca trazer visibilidade a essas
existências para além da arte. Até então eram poucos os que apareciam
fazendo algum trabalho em projetos artísticos. Assim, constatou-se que a
invisibilidade de transmasculines é tão grande que nem mesmo os artistas se
conheciam em sua própria comunidade, dada a dificuldade de se encontrar
pares políticos. Aos poucos foram criando redes de contato, indicando um ao
outro e hoje o CATS tem em torno de 30 membros que participaram de alguma
forma na gravação e elaboração da Carta Manifesto.

O CATS tem diversos objetivos, entre eles, gerar mais oportunidades de trabalho para artistas
transmasculines, inclusive em produções próprias; divulgar plataformas com
informações sobre os artistas, em que produtores, diretores e criadores de forma
geral poderão buscar por tais profissionais de acordo com a linguagem; o
desenvolvimento de um canal no Youtube voltado ao público em geral e que,
com ineditismo, documente a história da luta transmasculina brasileira, com o
propósito de fortalecer o movimento; o acompanhamento e fiscalização de
políticas públicas que atendam às demandas destes profissionais e, isso, só
para começar.

Fonte: Olhar Digital