Diário, está a maior polêmica por causa que o Felipe Neto me chamou de genocida e o Carluxo botou um delegado atrás dele. Só por causa de 280 mil mortos eu sou um genocida?


Por Jornalistas Livres

Por José Roberto Torero*  Diário, está a maior polêmica por causa que o Felipe Neto me chamou de genocida e o Carluxo botou um delegado atrás dele.

Eu confesso que nem sabia direito o que essa palavra queria dizer. Parece que num tipo de livro chamado dicionário tem o significado de todas as palavras. Mas livro é coisa de mariquinha, então pesquisei no Google mesmo.

Primeiro eu aprendi que genocida não é com jota. Depois, que a palavra quer dizer “pessoa que deliberadamente causou a morte de um grande número de pessoas”.

Pô, só porque eu falei contra a máscara, contra o isolamento social, não comprei vacina quando podia, mandei tomar um remédio inútil e incentivei aglomerações eu sou um genocida?

Só por que eu deixei um bando de militar que não entende nada de saúde cuidando da saúde eu sou um genocida?

Só por causa de 280 mil mortos eu sou um genocida?

Tá, se isso faz de alguém um genocida, eu sou um genocida.

Mas não tô sozinho nisso aí!

Eu tenho muita ajuda, Diário. E sabe de quem? Dos ingenuocidas.

Dei um Google e vi que essa palavra não existe. Quer dizer, não existia, porque agora que eu escrevi, ela existe.

Os ingenuocidas são os caras que acreditam no que eu digo. Aí eles não usam máscara (aposto que em todo prédio tem um, espalhando vírus no elevador), se aglomeram (gosto mais quando é numa manifestação a meu favor), acreditam na cloroquina (tem laboratório que já ganhou mais de um bilhão graças a mim) e até se negam a tomar vacina (aquela história do jacaré não foi demais?).

Aí os ingenuocidas acabam pegando a doença e espalhando para quem se protege.

Eles são aquele vizinho que fala com você na garagem, aquela tia que vem te visitar porque está morrendo de saudade (e acaba matando de saudade), aquele seu freguês que tira a máscara porque diz não consegue falar com um pano na boca e aquele seu irmão de igreja que não vai faltar ao culto só porque está com uma gripezinha.

Podem me dar o prêmio de genocida do ano, mas tenho que fazer que nem aqueles atores que ganham o Oscar e agradecem a toda a equipe. Sem esse pessoal que faz o que eu mando, eu não teria conseguido tudo o que eu consegui.

Sem os ingenuocidas, eu não seria o que eu sou.

José Roberto Torero é autor de livros, como “O Chalaça”, vencedor do Prêmio Jabuti de 1995. Além disso, escreveu roteiros para cinema e tevê, como em Retrato Falado para Rede Globo do Brasil. Também foi colunista de Esportes da Folha de S. Paulo entre 1998 e 2012.

#diariodobolso