(crédito: JUSTIN TALLIS / AFP)

Documento enviado pela CPI mostra que o ministério recomendou a supressão de trecho de MP que dizia que União ficava autorizada a assumir responsabilidade sobre eventuais efeitos adversos das vacinas, dando segurança jurídica ao governo

No dia 23 de dezembro do ano passado, o Ministério da Economia recomendou que o governo retirasse de uma medida provisória (MP 1.026) um artigo que daria segurança jurídica para a aquisição das vacinas da Pfizer e da Janssen. Em documento enviado à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19, obtido pelo Correio, uma minuta mostra que o governo incluiria que a União estava autorizada a assumir riscos em relação a efeitos adversos em decorrência da vacina.

“Art. 5º: Fica a União autorizada a assumir riscos referentes à responsabilidade civil, nos termos do instrumento de aquisição ou fornecimento de vacinas contra a covid-19 celebrado pelo Poder Executivo Federal, sobre eventuais efeitos adversos decorrentes da vacinação das vacinas contra a covid-19, desde que a Anvisa tenha concedido o registro ou autorizado o uso emergencial e temporário”, dizia o texto.

Ela daria, então, segurança ao governo, que questionava as cláusulas apontadas como “leoninas” dos laboratórios, que se isentavam de responsabilidade em caso de efeito adverso. A recusa do governo em aceitar a cláusulas acabou gerando atraso na assinatura dos contratos e na compra dos imunizantes.

O artigo ainda previa que o disposto “não exclui a responsabilidade pelo descumprimento de outras cláusulas constantes no instrumento de aquisição ou fornecimento de vacinas contra a covid-19”. “A União poderá constituir garantias ou contratar seguro privado, ainda que internacional, em uma ou mais apólices, para a cobertura de riscos de que trata o caput”, dizia.

O comentário que partiu da Economia grifava todo o artigo, e orientava “supressão total”. “Este artigo ensejará, s.m.j., judicialização geral. Todos que, porventura, sofrerem efeito reverso da vacina acionarão o Estado (até febre), e por consequência o servidor que responde em regresso. Regra temerária”. Os apontamentos são feitos pela Secretaria de Gestão (Seges) da Economia. Em outra minuta da mesma MP, o departamento volta a reforçar em relação ao artigo, sublinhando o trecho que fala que “fica a União autorizada a assumir riscos referentes à responsabilidade civil”. “Sugiro, com empenho, suprimir”, ressalta.

A questão já havia sido abordada pelo ex-secretário Executivo Elcio Franco em depoimento à CPI, quando ele afirmou, no dia 9 de junho, que a MP teve um impasse gerado pela Economia. O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello também disse que havia sido proposta uma MP em dezembro, para permitir a compra da Pfizer e Janssen, mas que não foi aprovada por falta de consenso dos ministérios envolvidos, sem citar a pasta da Economia.

O ministério, por sua vez, após requisição da CPI, enviou resposta no final de junho, assinada pelo secretário-executivo adjunto Miguel Ragone, dizendo que a pasta não foi coautora do documento que gerou MP, não tendo sido encontrado no sistema documentação referente ao processo. Agora, na última terça-feira (27), enviou novas documentações, dizendo que em busca realizada no sistema, encontraram uma manifestação encaminhada por e-mail à Casa Civil no dia 23, na qual constam os apontamentos feitos nas minutas da MP, sugerindo retirada de artigo que previa responsabilidade da União.

“Apenas colaboração”

Miguel Ragone frisa que apesar de ter partido do Ministério da Economia, a manifestação não configura orientação oficial da pasta, e que foi apenas no sentido de colaborar, a convite, em versões preliminares da MP 1.026. No e-mail encaminhado à Casa Civil, em dezembro, ele afirmava que como a pasta não iria assinar, os apontamentos eram contribuições.

A MP acabou flexibilizando regras para facilitar a compra de vacinas. Mas a questão envolvendo a Pfizer e a Janssen só foi solucionada por meio de lei (14.125) aprovada no Congresso Nacional, proposta pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 10 de março. No dia 19, o governo federal anunciou assinatura de contrato com a Pfizer, após ampla demora nas negociações com a empresa, que tentava vender imunizantes ao Brasil desde agosto do ano passado.

No mesmo documento enviado àa CPI na última terça-feira, inclusive, Ragone afirmou que a manifestação sobre a retirada do artigo da MP 1.026 não significava uma oposição oficial do ministério “quanto à cláusula de assunção de responsabilidade pela União”, afirmando que no texto da lei 14.125, a pasta não se contrapôs. “Nesse sentido é que se pode afirmar que, a par de sugestões técnicas desta Pasta quando da discussão dos termos da Medida Provisória, a título único e exclusivo de colaboração, não foram apresentados impedimentos por parte do Ministério da Economia”, frisou.

Fonte: Correio Braziliense