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São Paulo – Integrante da igreja evangélica Sara Nossa Terra de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, a pastora Karla Cordeiro, conhecida como Kakau, viralizou nas redes sociais nesta semana ao aparecer em um vídeo discursando e criticando fiéis que defendem causas e políticas raciais e LGBTQIA+. Durante um culto filmado e compartilhado, no último sábado (31), a pastora afirmou ser “um absurdo pessoas cristãs levantando bandeiras políticas, bandeiras de pessoas pretas, bandeiras de pessoas LGBTQIA+, sei lá quantos símbolos tem isso aí”.

“É uma vergonha, desculpa falar, mas chega de mentiras, eu não vou viver mais de mentiras, é uma vergonha. A nossa bandeira é Jeová Nissi, é Jesus Cristo, ele é a nossa bandeira. Para de querer ficar postando coisa de gente preta, de gay”, cobrou Kakau. 

A fala, contudo, movimentou usuários das redes sociais que condenaram a postura da pastora. A onda de repúdio também foi compartilhada por líderes religiosos. Em entrevista à Marilu Cabañas, na edição desta quarta (4) do Jornal Brasil Atual, o pastor e teólogo Ariovaldo Ramos destacou que o discurso de Kakau “não se trata de uma pregação”. Mas sim de “um ataque homofóbico e racista”, frisou o também integrante da coordenação da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito e Apresentador do programa Daqui pra Frente da TVT

Repercussão negativa

“Pregação é quando se expõe a palavra de Deus, quando se convida as pessoas a refletirem sobre a vida de Jesus, dos apóstolos e seus ensinos, sobre o amor, a bondade, a misericórdia e a benevolência que fazem parte da mensagem do Cristo”, explica. “Então o que essa senhora fez não é uma pregação, mas um ataque homofóbico, um ataque racista. Inclusive transformando o quadro em ofensa mesmo. Ser preto passou a ser ‘palavrão’ e ser da comunidade LGBTQIA+ também passou a ser ‘palavrão’ na fala dela. Isso é algo absurdo, ela simplesmente desqualifica seres humanos, é indefensável”.

“E nós entendemos que qualquer gesto de racismo ou de fobia social é pecado”, garantiu o pastor Ariovaldo. 

Após a repercussão negativa, a pastora divulgou pelas redes sociais uma nota de retratação, dizendo “ter sido infeliz nas palavras escolhidas”. O pedido de desculpa, porém, também foi questionado pelo trecho em que Kakau destaca não ter “nenhum tipo de preconceito contra pessoas de outras raças” e com “orientação sexuais diferentes da sua” porque “inclusive seu pastor é negro” e “sou próxima de várias pessoas que fazem parte do movimento LGBTQiA+”. Pelas redes, usuários advertiram que conviver com pessoas negras ou LGBTs não impede ou dá aval para que as pessoas comentam atos preconceituosos. 

Discurso de ódio

A pastora também ressaltou que “as palavras que usou não expressam a opinião nem do pastor e nem da igreja”. E observou que sua “intenção era afirmar a necessidade de focarmos em Jesus Cristo e reproduzirmos seus ensinamentos”. O pastor Ariovaldo, lembrou, no entanto, de uma passagem bíblica que aponta que “a boca fala do que o coração está cheio”. 

“Ela o revelou e falou de si mais do que ela gostaria que nós soubéssemos. É mais um caso em que o pedido de perdão é o mínimo que se espera mas que chegou tarde demais. No caso dela fica claro que não é falta de informação. Ela inclusive soube dizer a sigla da comunidade LGBTQIA + com toda a sequência, sabia exatamente do que estava falando. E dizer que ‘pessoas pretas’, do que ela está falando? Ela está falando por exemplo sobre mim. Eu sou uma pessoa preta que vivo fazendo postagem de toda a natureza, e inclusive postagem de mensagens e reflexões bíblicas. O que ela está falando chama-se racismo”, contestou o líder religioso. 

Polícia Civil abre inquérito

Depois de analisar o discurso de Kakau Cordeiro, a Polícia Civil abriu um inquérito para investigar a pastora pelos crimes de discriminação racial e homofobia. O pastor Ariovaldo cobra também a responsabilização e lembra que a população negra compõe a maioria dos fiéis. Uma pesquisa do Datafolha, divulgada em janeiro do ano passado, indicou que entre os evangélicos, cerca de 59% se declaram pretos ou pardos. 

O Coletivo Negro de Nova Friburgo também soltou nota repudiando a atitude da pastora e cobrando que ela seja responsabilizada pela fala. De acordo com o pastor Ariovaldo a medida é importante também por conta do contexto de ataque à democracia no país. “Isso precisa ser avaliado e levado às barras dos tribunais e, principalmente isso precisa ser cobrado, porque se não cobra, se incentiva, principalmente agora que estamos diante de um surto neonazista sinalizado tudo indica pelo próprio presidente da República, Jair Bolsonaro”. 

“Tem de indiciar e ela tem que responder por isso, infelizmente é claro. Nós não queremos ninguém tendo sua vida prejudicada, mas se você não quer ter sua vida prejudicada, você tem que amar ao próximo como a si mesmo e não torná-lo alvo do seu ódio”, conclui o religioso. 

Fonte: RBA