Processo aberto por consumidor resultou em investigação para empresa explicar como calcula a recuperação
Problemas com a apuração de consumo de energia elétrica em Mato Grosso do Sul não são exclusividade da Energisa, alvo de reclamações em órgãos de regulação e de defesa do consumidor e até de CPI na Assembleia Legislativa. Também presente no Estado, a Elektro é investigada sobre falta de transparência com os clientes ao informar cálculos sobre a chamada “recuperação de consumo”.
Inspeção realizada há 3 anos por técnicos da distribuidora em Três Lagoas, a 338 quilômetros de Campo Grande, e que gerou uma fatura de quase R$ 10 mil se transformou em disputa judicial e resultou na obrigação da Elektro de explicar aos seus clientes, de forma clara e detalhada, como é feita a conta de cobrança de atrasados em caso da identificação de fraudes no consumo.
A Elektro é uma distribuidora de energia com forte atuação em São Paulo, estendendo seus serviços também a 5 municípios de Mato Grosso do Sul ao longo do Rio Paraná: Selvíria, Brasilândia, Santa Rita do Pardo, Anaurilândia e Três Lagoas.
Conforme processo que correu no 1º Juizado Especial Cível e Criminal de Três Lagoas, em 30 de maio de 2019, dois técnicos da empresa foram à residência de um consumidor verificar o relógio de medição. Naquele momento, eles emitiram um termo de ocorrência de inspeção comprovando a irregularidade, gerando uma fatura de R$ 9.913,97 com base no cálculo de revisão de faturamento.
Na ocasião, não teriam sido explicados ao consumidor todos os problemas identificados e, principalmente, o porquê de o valor da fraude apurada ter se aproximado de tal valor. O caso chegou à Justiça e, liminarmente, a cobrança foi suspensa.
‘Deficiência de medição’ de energia
Nos autos, a Elektro defendeu a regularidade da cobrança alegando que, entre os problemas no medidor, havia um lacre violado e foi retirado o condutor da “fase b”, de saída, conectado ao de entrada — assim, haveria fraude não registrando o consumo. O trabalho dos técnicos solucionou o problema, não sendo substituído o medidor.
O caso foi julgado em definitivo na primeira instância pela juíza Daliane Magali Zanco Bressan. A priori, foi avaliado como deficiência de medição por defeito no aparelho, com cobrança de valores inferiores ao efetivamente consumido até a visita técnica.
A magistrada pontuou que não bastaria à Elektro provar a inexistência de irregularidade no medidor, mas também as consequências das mesmas e apresentar um conjunto de evidências explicando, de forma transparente e clara ao consumidor, sendo “tecnicamente hipossuficiente”.
Em outras palavras, não, não basta provar haver irregularidade — o que a Elektro fez —, mas também que houve proveito para o consumidor de modo a gerar a cobrança e exigir o pagamento pelas supostas fraudes, o que não havia sido feito até a conclusão do caso em primeira instância.
Isso porque os documentos não detalhavam, ao menos de forma clara, como deve ser feito ao consumidor, por força do dever da concessionária de dar informação eficiente ao consumidor, o que decorre da boa-fé contratual, o quanto isso gerou de medição a menor — “se é que gerou uma medição a menor”, pontuou a magistrada.
Cálculo nebuloso
Ainda conforme a juíza, a concessionária retroagiu no cálculo ao longo de 24 meses, sem informar adequadamente as razões de ter escolhido tal prazo. A sentença reforça que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) determina que o período de duração da recuperação de energia seja determinado tecnicamente ou pela análise do histórico de consumos de energia e demanda de potência.
Não sendo possível fazer essa identificação, deve ser limitado aos 6 meses anteriores à constatação.
No caso do cliente em questão, deveria ter sido explicado de onde saíram os 3 maiores consumos dos 12 ciclos de medição anteriores à identificação da irregularidade e esclarecer que foram desses 12 meses anteriores que saíram os dados para calcular a média. Isso não teria sido feito, optando-se por usar uma média sem nada explicar.
“Não é possível dizer se o débito existe ou não; não é o caso, ainda, de declarar a existência ou inexistência, enquanto a requerida não cumprir sua obrigação contratual de informar adequadamente o consumidor — de forma clara, ostensiva e inteligível — de como ela chegou àquela planilha de recuperação de consumo, para, aí sim, permitir ao consumidor, se discordar dos critérios, adotar as medidas cabíveis”, sentenciou a magistrada.
A decisão confirmou a liminar e suspendeu a cobrança da fatura de R$ 9.913,97, pelo menos, até a concessionária cumprir a obrigação de informar adequadamente como chegou àquela planilha de recuperação, permitindo que o consumidor tome as medidas que julgar cabíveis. Até lá, não teria o direito de interromper o fornecimento do serviço, de cobrar a dívida ou de inscrever o nome do cliente em cadastros de inadimplentes.
A sentença da juíza Daliane Bressan foi expedida em 14 de abril de 2020.
Em 22 de abril do mesmo ano, a também juíza Janine Rodrigues de Oliveira Trindade homologou a proposta de sentença e acionou as Defensorias Públicas de Mato Grosso do Sul e da União e os Ministérios Públicos de Mato Grosso do Sul e Federal para que, em tutela coletiva do consumidor, tomem medidas para assegurar que a Elektro cumpra de forma ampla o dever de informação e transparência quando da elaboração dos cálculos de recuperação de consumo por irregularidade.
A Aneel também deveria ser comunicada para a tomada de providências que julgasse cabíveis.
Como resultado da comunicação, em 28 de julho de 2021, o promotor Etéocles Brito Mendonça Dias Junior cadastrou a abertura de notícia de fato sobre “eventual desrespeito ao dever de informação e transparência na elaboração de cálculos decorrentes da recuperação de consumo por irregularidade” feitos pela Elektro.
Conforme publicação na edição desta quarta-feira (3) do Diário Oficial do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), em 27 de outubro deste ano o promotor Fernando Marcelo Peixoto Lanza determinou a conversão da apuração em inquérito civil.
Energisa na mira de CPI, Aneel e Procon-MS
Com a apuração, a Elektro se “une” à Energisa como alvo de investigações de órgãos públicos por conta de sua atuação. No caso desta última, que atende aos outros 74 municípios do Estado, as apurações incluem uma CPI na Assembleia Legislativa que visa a verificar fraudes na medição de consumo — sendo encomendada perícia em relógios, a ser realizada pela USP (Universidade de São Paulo).
Em 2021, a Energisa ainda viu o número de queixas na Aneel e no Procon-MS dispararem. Na primeira, o número teve novo crescimento após temporais em meados de outubro resultarem na interrupção no fornecimento de eletricidade em vários municípios.
Conforme dados obtidos pelo Jornal Midiamax, a Energisa foi campeã de queixas registradas no Procon-MS em 2020, com 1.106 reclamações. Entre o dia 1º de janeiro e o último 19 de outubro, foram 1.318 reclamações, já superando todas as queixas do ano anterior.
A Energisa ainda foi punida em mais de R$ 11 milhões pela Aneel, em valores a serem revertidos aos consumidores, por falhas no fornecimento de energia em períodos superiores aos admissíveis. A empresa deu início recentemente ao processo de revisão tarifária, que será implementado em 2022 e pode incluir uma conta superior a R$ 400 milhões para os consumidores.
Fonte: Midiamax