Premiado longa de Fernando Meirelles e Kátia Lund está disponível no Globoplay.
Há exatos 20 anos, um dos filmes mais importantes da cinematografia brasileira chegava às telonas. Cidade de Deus é, sem sombra de dúvidas, um marco da indústria audiovisual nacional.
Um projeto conduzido por Fernando Meirelles e Kátia Lund, com produção da O2 Filmes, Globo Filmes e Videofilmes, e distribuição da Lumière Brasil, fez parte da seleção oficial do Festival de Cannes 2002 e fez carreira pelos principais festivais de cinema do mundo no período de lançamento.
Baseado no livro homônimo de Paulo Lins, a narrativa apresenta um emaranhado de histórias que, juntas, apresentam o crescimento, as tragédias e a realidade da conhecida região periférica do Rio de Janeiro. A história, contada de maneira cativante apesar da intensa violência, acompanha Buscapé (Alexandre Rodrigues), um jovem pobre, negro e muito sensível, que cresce em um universo visceral.
O protagonista vive na Cidade de Deus, favela carioca conhecida por ser um dos locais mais violentos da cidade. Amedrontado com a possibilidade de se tornar um bandido, Buscapé acaba sendo salvo de seu destino por causa de seu talento como fotógrafo, o qual permite que siga carreira na profissão. É através de seu olhar atrás da câmera que Buscapé analisa o dia-a-dia da favela onde vive, onde a violência aparenta ser infinita.
Prêmios
Cinco anos após Central do Brasil deixar o público atento e aflito durante a transmissão do Oscar, brasileiros puderam celebrar as quatro indicações de Cidade de Deus na honraria, feito inédito para uma produção nacional que ainda não foi ultrapassado. O longa esteve na disputa de Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Edição e Melhor Fotografia.
A película ainda conquistou prêmios no 24º Festival Internacional del Nuevo Cine Latino Americano de Havana, AFI Fest 2002, ShoWest 2003, 2º Festival Internacional du Film de Marrakech, Festival de Guadalajara 2003, fora as indicações ao BAFTA, Globo de Ouro, Latino Media Image Awards e European Film Awards.
5 filmes nacionais incríveis que foram premiados internacionalmente
Em lista divulgada em 2021 pelo Sindicato de Roteiristas da America (WGA), sobre os melhores roteiros do século, o longa de Fernando Meirelles e Kátia Lund está na 70ª posição, tendo Corra!, de Jordan Peele, na liderança. Já de acordo com a BBC, Cidade de Deus é o único representante brasileiro na lista de 100 melhores filmes estrangeiros de todos os tempos, divulgada há cerca de 4 anos.
2º filme de língua não-inglesa mais visto no mundo
De acordo com a Preply, plataforma educacional, Cidade de Deus é o segundo filme de língua estrangeira mais assistido do mundo. O levantamento utilizou os dados do IMDB, com base nos filmes e séries mais populares da base de dados.
O longa surge após Intocáveis e fica na frente de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, A Viagem de Chihiro e Parasita.
Celeiro de talentos
Embora muitos atores não tenham seguido na sétima arte, algo que é mostrado no filme Cidade de Deus – 10 Anos Depois, o filme auxiliou diversos profissionais a seguirem na carreira artística. Inclusive, na última década alguns conseguiram, enfim, retornar ao audiovisual, como é o caso de Renato de Souza.
Cidade de Deus fez parte crucial na vida de profissionais como Seu Jorge e Alice Braga, que adentraram Hollywood e, no caso do intérprete de Mané Galinha, mergulharam de vez na música.
Os protagonistas Alexandre Rodrigues e Leandro Firmino continuam na ativa. Apesar das dificuldades relatadas no documentário citado acima, ambos seguem firmes em suas carreiras, com créditos em produções recentes como Pico da Neblina e Operação Maré Negra, respectivamente.
Seu Jorge: Filmes e séries marcantes da carreira do ator
Roberta Rodrigues, Douglas Silva, Michel Gomes, Jonathan Haagensen, Darlan Cunha, Matheus Nachtergaele, são outros artistas que continuaram na ativa ao longo dos anos, seja na TV, no cinema ou em projetos independentes.
Além disso, o diretor segue com um prolífico trabalho no nas telinhas e telonas, bem como Kátia Lund, que dirigiu diversos documentários ao longo das últimas décadas. Daniel Rezende, vencedor do BAFTA pela montagem do longa, hoje é conhecido pelas versões live-action da Turma da Mônica, Laços e Lições, além da série do Globoplay, o filme Bingo: O Rei das Manhãs, entre outros.
Mudança de paradigma para o cinema brasileiro
É fato que ainda estamos muito longe de estabelecer a indústria cinematográfica como um farol do audiovisual no país. No entanto, as últimas duas décadas mostraram como o investimento de Cidade de Deus reverberou na carreira de inúmeros atores, diretores, roteiristas, produtores, entre outros profissionais da sétima arte.
Depois de sua chegada às telonas, o filme foi considerado o responsável por reacender a chama do cinema brasileiro, em uma espécie de retomada às grandes bilheterias nacionais. Neste caso, foram mais de 3,5 milhões de pessoas que assistiram ao filme nos cinemas.
Cidade de Deus teve um impacto cultural gigantesco, ao levar a realidade brasileira para o mundo através das lentes de Meirelles e Lund, fora a montagem de Daniel Rezende. O longa tem seu espaço consagrado na história do cinema nacional ao quebrar inúmeros paradigmas, além de abrir portas para que a produção fosse vista e valorizada tanto em território brasileiro, quanto no exterior.
O formato do longa, que utiliza uma história que viaja entre recortes e elementos não cronológicos, também influenciou a maneira de se fazer cinema no Brasil e no mundo, com longas que referenciam “City of God” aos montes. Entre eles, podemos citar Quem Quer Ser um Milionário?, Gomorra e até a série Luke Cage. Cheo Hodari Coker, showrunner da produção da Marvel, tem o filme como um dos seus favoritos, algo que influenciou a trama estrelada por Mike Colter. “Tudo se conecta através da música e várias tramas diferentes”, disse ele à Vulture anos atrás.
Mesmo que o filme ainda seja dos poucos com um elenco composto majoritariamente por pessoas negras, o longa se destaca na propulsão deste movimento. Ainda que, é importante falar, esteja vinculado à uma imagem que insiste em ser exaustivamente utilizada no audiovisual: pessoas negras representadas apenas com armas na mão ou de maneira violenta, subjugada.
Mesmo assim, nestes vinte anos, temos tramas estreladas ou dirigidas por artistas negros que estão mudando essa narrativa. Projetos esses que merecem ser citados, como Café com Canela, Medida Provisória, Ó Pai, Ó, Correndo Atrás, Filhas do Vento, Sócrates, Bixa Travesty, entre outros.
Por fim, vale citar que o fôlego criado por Cidade de Deus contribuiu para que hoje, o cinema brasileiro continue sendo respeitado mundo afora – não que isso já não acontecesse antes. Claro que produções posteriores continuam a mostrar como o nosso cinema é singular, temos apenas nos últimos anos Bacurau, A Vida Invisível, Marte Um, Noites Alienígenas, Aquarius e o próprio Medida Provisória. Dito isto, é tranquilo afirmar que este longa foi responsável por mudar os rumos da indústria no país.