Ex-governador Eduardo Leite (PSDB) - Debate com os candidatos ao Governo do Rio Grande do Sul, na filial da rede Bandeirantes de Porto Alegre, capital gaúcha, na noite deste domingo.

Foto: Evandro Leal/Agência Enquadrar/Folhapress

No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, o então candidato ao governo do Rio Grande do Sul Eduardo Leite não viu problema em declarar apoio a um candidato com discurso golpista, autoritário e fascista. O apoio foi incondicional, já que Bolsonaro não retribuiu o apoio ao candidato tucano no segundo turno do Rio Grande do Sul.

Passados quatro anos, Leite agora busca a reeleição no segundo turno contra Onyx Lorenzoni, o candidato bolsonarista. Quase toda a esquerda gaúcha (PT, PSOL, PCdoB), de maneira incondicional, pregou voto útil em Leite para impedir a eleição de Onyx. O tucano teve a chance de reparar o erro de 2018 e se posicionar de maneira firme contra o bolsonarismo, mas preferiu lavar as mãos.

Para justificar sua neutralidade na eleição presidencial, Leite lançou mão da crítica à “polarização” entre Lula e Bolsonaro. “O Brasil vive a eleição mais polarizada da sua história. Uma disputa que separa líderes de um mesmo partido, separa amigos e até mesmo famílias. Tudo se resume a Lula ou Bolsonaro e essa escolha simplifica e reduz tudo (…) Diante da responsabilidade que eu tenho de um projeto político na eleição estadual, eu não vou abrir o meu voto para presidente para não contaminar o debate e não deixar que se discuta apenas o Brasil e não o Rio Grande que é onde todos nós vivemos.”

Leite trata a polarização entre Lula e Bolsonaro como uma mera disputa entre esquerda e direita, quando na verdade estamos diante de uma eleição plebiscitária: queremos democracia ou a consolidação de uma autocracia com tendências fascistas? Se essa fosse uma eleição convencional, o cálculo eleitoral pragmático de Leite seria compreensível. Mas estamos falando de uma eleição que decidirá o futuro da democracia no país.

Na prática, o tucano coloca o seu projeto político pessoal à frente da luta pela defesa da democracia. Não há nada mais importante para o país, inclusive para o Rio Grande do Sul, do que a derrota de Bolsonaro. Mas Leite preferiu lavar as mãos e percorrer o caminho da falida terceira via. Diante da possibilidade dos fascistas continuarem aterrorizando o país, o tucano se omitiu de maneira covarde. E, como se sabe, a omissão em relação ao fascismo é praticamente sinônimo de apoio.

A avaliação estratégica de Leite é a de que os votos da esquerda migrarão para ele independentemente do seu apoio a Lula. Isso é verdade. Sem titubear e sem esperar nada em troca, a esquerda gaúcha em peso apoiou o voto útil em Leite contra o candidato bolsonarista.

Manuela d’Ávila, Tarso Genro, Olívio Dutra e todos os principais nomes da esquerda gaúcha prontamente prestaram apoio a Leite. Manuela deixou claro que não se trata de alinhamento ao tucano, mas de enfrentamento ao fascismo: “No RS, fomos e seremos oposição ao Eduardo Leite. Mas anular o voto não constrói uma alternativa popular. Eu votarei em Leite porque sou antibolsonarista e antifascista. Não quero um bolsonarista negacionista governador de meu estado”. Leite não quis assumir esse mesmo compromisso com a democracia e, muito provavelmente, não apoiaria o voto útil no petista Edegar Pretto caso ele tivesse ido ao segundo turno.

Do ponto de vista eleitoral, de fato, é mais seguro para o tucano se manter neutro para segurar alguns votos antipetistas. Do ponto de vista moral, é uma tragédia.

Não se cobra de Leite um apoio entusiasmado a Lula, mas pelo menos uma postura firme contra o grupo político que passou quatro anos destruindo o país e enfiando a faca no pescoço da democracia. Cobra-se de Leite uma posição não só contra o golpismo e o autoritarismo, mas contra o racismo, a homofobia, o machismo, o ódio aos pobres e a tudo o que o bolsonarismo representa.

Diferentemente da sua candidata à presidência, Simone Tebet, que teve a grandeza de se posicionar contra o bolsonarismo no segundo turno, esse pragmatismo mesquinho do tucano revela um político pequeno, omisso, que não teve coragem de se posicionar contra a extrema direita autoritária que aterroriza o país. Preferiu ficar confortavelmente em cima do muro enquanto o país pega fogo.

A ultradireita neofacista precisa ser derrotada em todos os cantos do país, nem que para isso tenhamos que apoiar aqueles que covardemente se omitem diante dela.

Por oportunismo eleitoral, Leite se distanciou da grandeza de seus correligionários como FHC, Serra e Jereissati, que apoiaram Lula mesmo sendo ferrenhos opositores a ele. O gaúcho, que era considerado sangue novo no PSDB, poderia liderar uma nova trilha para o partido que foi contaminado pelo bolsonarismo, mas optou por se manter no caminho falido da terceira via e jogou mais uma pá de terra sobre o caixão tucano.

A curto prazo, a neutralidade até pode lhe render frutos eleitorais, mas a longo prazo certamente lhe custará caro. A omissão vergonhosa em um momento crucial da história do país pode comprometer a carreira do político que sonha com a presidência da República.

Além de Leite, outros tucanos como Pedro Cunha Lima, na Paraíba, e Raquel Lyra, em Pernambuco, também se acovardaram e lavaram as mãos em relação ao pleito presidencial. O PSDB sempre foi identificado como um partido mureteiro, aquele que entre a esquerda e a direita sempre preferiu ficar em cima do muro. A fama agora se consolida, mas com uma nova roupagem: entre o golpismo/fascismo e a democracia, os candidatos tucanos escolhem o muro.

Uma das exceções é o PSDB paulista, que não ficou em cima do muro e prestou apoio à candidatura bolsonarista no maior colégio eleitoral do país. Se no Rio Grande do Sul os partidos de esquerda apoiam o candidato do PSDB em nome da defesa da democracia, em São Paulo o PSDB decidiu engrossar as fileiras da chapa que representa o fascismo nacional.

Dito isso, é importante ressaltar que a vitória de Eduardo Leite é fundamental para aqueles que zelam pela democracia. Onyx Lorenzoni, além de ser um corrupto confesso, é o que há de pior dentro do bolsonarismo. Foi um ministro incompetente que se comportou como um vassalo de Jair Bolsonaro.

A vitória de Leite é urgente não só para o Rio Grande do Sul, mas também para o país. Quatro anos com o neofascismo dominando o governo do maior estado da região Sul seria péssimo para o campo democrático. Os democratas precisam assumir de maneira firme e clara uma posição ao lado das candidaturas que disputam o segundo turno contra o neofascismo, sejam elas quais forem. A ultradireita neofacista precisa ser derrotada em todos os cantos do país, nem que para isso tenhamos que apoiar aqueles que covardemente se omitem diante dela.