Em entrevista à TV 247, Pery Shikida e Mario Margarido afirmam que tributação de cigarros deve levar em conta a participação do mercado ilegal
Os economistas Pery Shikida e Mario Margarido concederam entrevista à TV 247 e apresentaram evidências de um estudo científico realizado por eles sobre a relação desvantajosa para o país entre a tributação e o mercado ilegal de cigarros no Brasil. No estudo “Elasticidades do Mercado de Cigarros”, escrito em parceria com o economista Daniel Komesu, os professores mostram que, desde o aumento da tributação do cigarro produzido legalmente, a partir de 2012, houve um crescimento significativo da participação do mercado ilegal deste produto no comércio brasileiro. A entrada dos cigarros ilegais ocasionou uma queda da arrecadação tributária ao ponto de, em 2019, o mercado ilegal chegar a representar cerca de 57% dos cigarros comercializados no país. No mesmo ano, a evasão fiscal do setor superou a arrecadação tributária, de acordo com o levantamento.
Segundo Pery Shikida, especialista em Economia do Crime há 25 anos, o estudo demonstrou que o mercado ilegal de cigarros, que não paga impostos, provoca diversos efeitos nocivos para a economia e a sociedade brasileiras. “Nós, através deste estudo de elasticidade no mercado brasileiro, constatamos que a variação de preços da demanda do cigarro lícito é elástica, ou seja, uma variação de 1% no preço do cigarro lícito induz uma variação média de 1,05% numa relação inversa, porque aumenta o preço do produto legal e diminui a sua quantidade comercializada. Então, quando temos aumento de preços motivados pela elevação de tributo, as pessoas, sobretudo aquelas de baixa renda, migram para os cigarros ilegais, tanto os contrabandeados, na maioria do Paraguai, quanto os piratas, produzidos ilegalmente no Brasil. Isso vai refletir na perda de arrecadação tributária para o país. Entre 2009 e 2019, por exemplo, nós tivemos uma perda média de arrecadação tributária de cigarro legal de 1,39% ao ano. Por outro lado, houve um aumento da participação do cigarro ilegal no Brasil de 8,78% ao ano. Já a produção de cigarros lícitos apresentou uma queda de 6,07% ao ano. Então, os dados mostram por si só uma constatação muito gravosa”, afirmou. Segundo Pery Shikida, o Paraguai produz atualmente entre 50 e 55 bilhões de unidades de cigarro por ano, consome cerca de 2% do total e exporta legalmente entre 2% e 3%. O restante da produção é destinado ao mercado brasileiro. “Ou seja, o mercado ilegal está crescendo consideravelmente”, avaliou. Leia aqui o artigo na íntegra.
Diante deste cenário, Pery Shikida defendeu que as discussões sobre a regulamentação da reforma tributária não podem ignorar a força do mercado ilegal. Seguindo esta linha de raciocínio, o economista Mario Margarido alertou para o risco do Imposto Seletivo, tributo federal previsto na reforma tributária, acabar favorecendo o comércio ilegal, ao invés de desestimular o consumo de cigarros. “Nosso trabalho mostrou que existe um vaso comunicante entre os mercados legal e ilegal. Então, se você delinear qualquer tipo de política tributária em relação, por exemplo, aos produtos derivados de tabaco, você tem que levar em consideração a existência deste mercado substituto. Porque senão você vai acabar gerando um ciclo vicioso, onde se aumenta o preço do cigarro lícito, cai a demanda do produto, cai o lucro das empresas, cai a arrecadação do governo. E ao mesmo tempo, se induz à ação de criminosos neste segmento. Então, é um momento importante com a reforma tributária para a gente pensar e tentar fazer algo alternativo para contornar esta situação”, afirmou.
Os economistas destacam também que outro aspecto a ser considerado é que, atualmente, o preço do cigarro ilegal encontra-se estável. Tal fator, somado à estabilidade tributária do produto formal nos últimos anos, fez com que a participação do mercado ilegal caísse. Assim, fica claro que tributar de maneira impensada o setor de tabaco, aumentando a diferença entre o preço do produto lícito e do ilícito, tende a fazer com que os indivíduos migrem para o mercado ilegal. Os especialistas afirmam que, da mesma forma que o aumento de imposto tende a beneficiar o mercado ilegal, o distanciamento de preços entre os produtos licítos e ilícitos provoca a migração de consumidores, especialmente os de baixa renda, para os produtos do mercado ilegal, provocando efeito contrário ao que se pretende em termos de arrecadação, além de não desestimular o consumo.
Crianças e adolescentes são cooptados para o mercado ilegal de cigarros
O economista Pery Shikida também investigou a realidade de adolescentes em cidades fronteiriças, como Foz do Iguaçu (PR) e Guaíra (PR) e Ponta Porã (MS). Por lá, o economista realizou um estudo de campo sobre os impactos do contrabando nessas regiões. Pery foi a 33 instituições de ensino nessas cidades e detalhou como os contrabandistas atuam para aliciar os menores. Em 31 instituições, professores disseram haver crianças trabalhando para o mercado ilegal de cigarros. Nas entrevistas com adolescentes aliciados, o ganho de dinheiro “fácil” foi citado como principal motivador para a atuação no crime.
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