Livro de pesquisadora de Stanford mostra importância da articulação política para regular a tecnologia
Imprescindível livro sobre a urgência em regular tecnologia lançado em setembro mostra a necessidade de congressistas governistas e da oposição trabalharem em conjunto na elaboração de uma legislação de modo a impedir que empresas solapem governos.
Trata-se de “The Tech Coup: How to Save Democracy from Silicon Valley”, de Marietje Schaake, pesquisadora do Cyber Policy Center, da Universidade Stanford. A ampla experiência no Parlamento Europeu por uma década como deputada pelo Partido Trabalhista (2009-2019) dá o tom da obra de 336 páginas.
É sabido que o Legislativo enfrenta a velocidade das novas tecnologias, entretanto, é crucial impor barreiras para o que Schaake chama de golpe tecnológico: big techs assumirem o controle do Estado. A ex-deputada, também articulista do Financial Times, cita um exemplo que tem preocupado o governo Lula: ceder dados em troca de infraestrutura.
Ela alerta que os produtos de integração de dados, desenvolvidos por contratantes e bem-vindos por governos, podem colocar em risco a segurança nacional: “Em cada um desses casos, líderes democraticamente eleitos perdem a capacidade de agir para empresas de tecnologia que projetaram produtos disruptivos com escassas salvaguardas legais ou regulatórias”.
A pesquisadora do Cyber Policy Center afirma que gigantes da tecnologia têm dado lances anônimos em contratos para usar espaços e recursos públicos para fins privados: “Notadamente, companhias com capacidades de inteligência mais poderosas que as do Estado são menos reguladas que uma xícara de café”.
Schaake não compra o argumento segundo o qual a regulação barra o desenvolvimento:
“Muitas vezes, ouço ‘se nossos produtos e serviços são benignos e resolvem alguns dos problemas mais arraigados do mundo, por que eles precisam ser regulados?’. Mesmo tendo assumido que é correto, com um grande se, a supervisão governamental contínua de qualquer indústria importante é a base da lei. Olhos atentos dos reguladores mantêm o jogo nivelado”.
O problema, de acordo com a ex-deputada, é que governos foram tragados, empurrados para a marginalidade, com consentimento: “Eles se permitiram ser marginalizados. Isso é uma tragédia para os cidadãos. No fim das contas, se as coisas derem errado, eles pagarão a conta”. No Brasil, tuiteiros pagam a conta da disputa entre o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e Elon Musk, dono do agora X.
É o que ela denomina “falha do sistema legal”:
“Quando os direitos das pessoas não são protegidos ao usar tecnologia, o sistema legal falha com elas. Enquanto a discriminação com base em categorias sensíveis, como idade, gênero, etnia, orientação sexual e religião, é proibida na maioria das jurisdições democráticas, novos sistemas de reconhecimento facial, conhecidos por discriminar constantemente, são colocados no mercado”.
Na avaliação da pesquisadora, o golpe tecnológico reescreveu o contrato social entre o Estado democrático e os seus cidadãos, porque a tecnologia está integrada ao cotidiano da mesma forma que os serviços essenciais:
“O impacto dessa transição de responsabilidades do público para o privado é amplo. Significa que o Estado não é mais capaz de implementar sozinho a política monetária, garantir o direito à privacidade ou a segurança nacional”.