Governo Bolsonaro alega falta de provas de perseguição política
por Cecília Bacha
A ministra de Estado da Mulher, da Família e Direitos Humanos, Damares Alves, publicou no Diário Oficial da manhã desta segunda-feira,8, a revogação da anistia política de cerca de 295 pessoas. A resolução teve como base uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de outubro do ano passado que autoriza o governo a revisar e, eventualmente, anular as anistias concedidas pela Comissão de Anistia a mais de 2,5 mil cabos desligados da Aeronáutica durante o regime militar.
As decisões da Comissão, tomadas entre os anos de 2002 e 2004, visavam fazer justiça aos heróis nacionais da Aeronáutica que se opuseram ao golpe militar de 1964 que derrubou o presidente constitucionalmente eleito João Goulart. Para alegar a cassação do direito, o governo Bolsonaro alegou “ausência de comprovação da existência de perseguição exclusivamente política no ato concessivo”.
Segundo a advogada Rita Sipahi, que foi conselheira da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, as decisões da Comissão tiveram como base a data de publicação da reforma administrativa da corporação que limitavam em 8 anos a permanência no cargo. Sipahi explica que todos aqueles que entraram depois da reforma não puderam alegar uso político da decisão, mas reforça que a decisão administrativa, de limitar o tempo de serviço foi, sim, uma forma de punir os revoltosos. A data da portaria e suas consequências passaram, após decisão do STF, a não valer como única prova no caso dos servidores da Aeronáutica prejudicados, que deverão apresentar em seus processos mais evidências da perseguição que sofreram.
O ex-presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, Adriano Diogo, considera “muito estranho que essa decisão do STF de tenha tido uma aplicação imediata de revogação da anistia, porque não necessariamente a decisão se enquadra na Lei de Anistia”. Para Adriano, “é uma forma de punir pela segunda vez, após quase 20 anos, esses jovens que agora já são anciões ou já falecidos que tiveram as vidas e as carreiras prejudicadas por perseguições políticas”.
A procuradora Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, exonerada da presidência da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos pelo governo Bolsonaro lembra que este é o caso, por exemplo, do ex-militar Manoel Raimundo Soares que hoje teria mais de 84 anos. Ele certamente seria considerado um veterano de guerra e mereceria todas as honrarias militares, se a ala legalista das Forças Armadas, à qual ele pertencia, não tivesse sucumbido à ala golpista que se perpetuou nas forças de
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segurança. O único título que o Sargento Manoel recebeu foi o de “Caso das Mãos Amarradas”, porque seu corpo foi encontrado no dia 24 de agosto de 1966, com as mãos e os pés atados às costas, boiando no Rio Jacuí nas proximidades de Porto Alegre/RS”, como conta o movimento “Vozes do Silêncio contra a Violência de Estado”, que busca preservar a memória e revelar a verdade para evitar que se repitam as violações de direitos humanos cometidas durante o período ditatorial e garantir que novos episódios não ocorram frente ao atual contexto político.
Para a procuradora a decisão “é péssimo precedente e uma falta muito grande de compreensão da imensa perseguição perpetrada nas forças armadas contra os legalistas, ou seja, aqueles que não apoiaram o golpe”, para ela apenas a data da portaria, 1 de abril de 1964, bastaria para demonstrar sua ilegalidade.
GESTÃO IDEOLÓGICA E CLASSISTA
Na prática a portaria, que agora coloca em risco os precatórios devidos aos outros mais de 2 mil cabos, põe por terra o discurso de apoiadores e do governo Bolsonaro de valorização das Forças Armadas. E reforça o caráter ideológico que o governo atual usa nas decisões que dizem respeito à instituição. Basta lembrar que a União pagou R$ 128,2 milhões em pensão para filhas de militares brasileiros nos dois últimos meses de 2019.Valores são referentes aos meses de novembro (R$ 84,8 milhões) e dezembro (R$ 43,4 milhões). Os dados foram levantados no Ministério da Economia pela Fiquem Sabendo, agência de dados especializada na Lei de Acesso à Informação. Em um único mês, uma beneficiária vitalícia teria recebido quantia superior a R$ 325 mil em novembro.
Em entrevista para a Rede Brasil de Fato, o ex-integrante da Comissão Nacional da Verdade e professor de teoria política na Universidade Estadual Paulista (Unesp), Paulo Ribeiro da Cunha ressaltou o “recorte de classes” entre os militares que se manifesta nesse caso. A carreira militar no Brasil tem duas classes distintas, a dos oficiais e a dos praças (. Essas duas portas de entrada são definitivas. Por mais promovido que seja, um praça nunca chegará a ser oficial.
A anistia de militares, portanto, é “socialmente limitada e ideologicamente norteada”, considera o professor. O que explicaria a decisão do STF de não rever a decisão de anistiar os militares golpistas, mesmo havendo comprovação no envolvimento de torturas, sequestros, assassinatos e desaparecimentos de corpos, como é o caso do coronel Carlos Brilhante Ustra, sempre homenageado pelo presidente Jair Messias Bolsonaro.
RESISTÊNCIA
Segundo o deputado federal do Partido dos Trabalhadores, Paulo Teixeira, o PT ingressará com uma ação no Ministério Público Federal (MPF) para que o órgão se pronuncie sobre a validade da medida. Além disso, o partido estuda a elaboração de um projeto de decreto legislativo (PDL) que anule as decisões. para ele a decisão de suspender as pensões “é grave e inadmissível”.
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