Na última semana tivemos a notícia de uma nova nuvem de gafanhotos que se formou no Paraguai, nas mesmas proporções da nuvem anterior que ocorreu em junho deste ano na Argentina. Os indícios dão conta de que essa nuvem de gafanhotos se originou nas proximidades do Chaco Paraguaio, estando entre os Departamentos (Estados) de Boquerón e Alto Paraguay, a cerca de 300 km da fronteira de Mato Grosso do Sul.
Esses gafanhotos são provavelmente da espécie Schistocerca cancellata e costumam passar despercebidos em seus ambientes naturais de origem, tais como pastagens e reservas naturais. Na maior parte do tempo vivem em baixa densidade populacional e com hábitos isolados. Em condições de estresse ambiental e sob condições climáticas adequadas, eles podem mudar seu comportamento, passando a desenvolver um comportamento social denominado de gregário, onde formam as nuvens e incrementam seu apetite e a capacidade reprodutiva.
Problemas com gafanhotos têm sido recorrentes na Argentina, Bolívia e Paraguai, particularmente com aconteceu nos anos de 2015 e 2017, mas até então não eram motivos de preocupação para a agricultura do Brasil. Contudo, a ocorrência recente de grandes nuvens nesses países tem deixado as autoridades brasileiras em alerta como aconteceu em junho deste ano na Argentina, mas que felizmente não se adentrou no Brasil. As nuvens se deslocam geralmente entre 10 km a 20 km por dia, podendo chegar a 100 km com a ajuda dos ventos. Para se ter uma ideia do potencial de deslocamento dos gafanhotos, vale lembrar que a nuvem anterior que se formou na Argentina se deslocou por mais de 1.000 km no sentido sul, estando a cerca de 130 km da fronteira do Rio Grande do Sul e Uruguai. Os gafanhotos da nuvem anterior ainda não foram totalmente controlados e ainda causam preocupações às autoridades e isso reforça a preocupação com essa nova nuvem originária no Paraguai.
Muito já se falou sobre o potencial destrutivo das nuvens de gafanhotos, mas seria necessário explorar mais sua gênese e propagação. Os insetos se alimentam apenas de material vegetal, não trazendo riscos de doenças para o ser humano, mas come o que encontra pelo caminho durante o deslocamento, podendo consumir, em um dia, uma quantidade de alimento equivalente ao seu peso. Essas nuvens de gafanhotos podem conter cerca de 30 a 40 milhões de insetos por km2 que devoram plantações em questão de horas equivalendo-se a 2 mil vacas nas pastagens.
Fato é que essas nuvens não surgem rapidamente e que deveriam ser combatidas na sua formação. Os gafanhotos são insetos gregários que se deslocam de forma aglomerada em nuvens e durante a noite pousam em algum substrato para repouso, sendo esse o momento mais adequado para o seu controle, embora esse horário de baixa visibilidade seja uma limitação para a realização de pulverizações. As aplicações de inseticidas químicos podem ser terrestres ou mais comumente com aeronaves. No entanto, existem poucos produtos registrados no Brasil para o seu controle, havendo necessidade de o governo liberar o uso emergencial de alguns produtos.
Ao entrar na fase gregária os gafanhotos mudam sua coloração. O ideal seria que fosse feito um monitoramento da praga na origem, avaliando sua densidade e reconhecendo sua forma gregária ainda na fase de ninfa, quando os insetos ainda não voam, podendo assim neste estágio de desenvolvimento ser controlados mais facilmente com agroquímicos. Quando os insetos levantam voo e passam a atacar pastagens e plantações, o seu controle torna-se mais difícil porque o deslocamento é bastante rápido, o que diminui a eficiência dos inseticidas. O clima quente e seco é muito favorável ao deslocamento da nuvem e podemos ter um grande problema quando o inverno é atípico com temperaturas maiores. O frio do inverno, inclusive com geadas e precipitações, é muito importante para conter a praga no sul do continente, pois diminui o metabolismo dos insetos, o que impede seu o deslocamento e seus danos nos cultivos. Além das condições climáticas, a explosão populacional de gafanhotos é decorrente do desequilíbrio biológico nos agroecossistema, especialmente devido à destruição de seus inimigos naturais como predadores, parasitoides e microrganismos entomopatogênicos.
Avaliando os relatos da mídia paraguaia e da Argentina, verificou-se que, nos últimos anos, as primeiras nuvens de gafanhotos têm se formado ao redor do mês de março. Particularmente em relação ao foco localizado no Norte do Paraguai, a nuvem poderia rapidamente chegar ao Mato Grosso do Sul, se não fosse a barreira física e biológica proporcionada pelos ambientes naturais como o Chaco e o Pantanal, bem como a dinâmica de circulação dos ventos nessa época que tende a direcionar as nuvens de gafanhoto mais para o sul do continente, seguindo na direção de Assunção, capital do Paraguai, até alcançar à Argentina.
Um ponto importante a ser considerado é que as nuvens de gafanhotos podem surgir de múltiplos focos. E, muito embora o Brasil não tenha tido problemas com esses insetos, há uma preocupação com o surgimento de novos focos, especialmente daqueles próximos à fronteira brasileira, inclusive no Pantanal, sobretudo nas extensas áreas de pastagem que o cercam e permeiam essa região. Nessas condições, a praga poderia rapidamente se disseminar pelo território sul-mato-grossense, em uma época em que teríamos o cultivo do milho safrinha, trigo, aveia e feijão, além dos danos potenciais às pastagens (nativas e formadas) e aos canaviais.
Ao investigar a previsão meteorológica para os próximos dias, analisando a dinâmica de circulação dos ventos e a chegada de uma nova frente fria na região (Figura 1), é muito pouco provável que tenhamos problemas com nuvens desses gafanhotos em Mato Grosso do Sul. Todavia, isso poderia mudar rapidamente e criar condições para a entrada dessa praga no estado e, assim, causar um grande transtorno à economia da região.
Sendo assim, é fundamental estreitarmos nossas relações com os representantes do setor vigilância dos países vizinhos, aproveitando o conhecimento já acumulado por eles, em especial com o Serviço Nacional de Sanidade Vegetal (Senave) do Paraguai e Serviço Nacional de Saúde e Qualidade Agroalimentar argentino (Senasa) da Argentina. Nessa linha, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil (Mapa) já integra o Grupo Técnico de Gafanhotos do Comitê de Sanidade Vegetal do Mercosul (Cosave) e mantém contato permanente, possibilitando monitorar e identificar precocemente qualquer possibilidade de entrada dos insetos em território brasileiro.
Em Mato Grosso do Sul, foi criado o Comitê de Emergência Fitossanitária integrado pela Superintendência Federal de Agricultura (SFA/MS), Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar (Semagro), Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro) e Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), como representante do setor produtivo, com o propósito de acompanhar os estudos e elaborar um plano de contingência estratégico para o caso de aumentarem as possibilidades de ingresso dos insetos no território estadual. Também é oportuno lembrar que o estado possui diversos especialistas em ecologia e entomologia lotados em Universidades e Instituições de Pesquisa em MS que poderão auxiliar nessa tarefa.
Fonte: Dourados News