1- Weintraub

Se o atual ministro da Educação gestou alguma coisa nos 9 meses à frente do MEC foi a certeza de que não possui condições técnicas ou éticas para ocupar o cargo. Na parte técnica, nada de relevante aconteceu. Obcecado com as disputas ideológicas, Abraham Weintraub não se engajou na discussão urgente sobre o Fundeb, importante fonte de financiamento que vence em 2020. Também não apresentou plano para a Educação Básica (as polêmicas escolas cívico militares serão apenas 216 até 2023, num universo de 180 mil escolas) e embarcou numa proposta amplamente rechaçada para o Ensino Superior (veja abaixo o item 3). Em momento involuntariamente cômico, disse que uma prova que custa 500 milhões sairia por 500 mil. Também fez graça ao imitar Gene Kelly no Twitter e ao tentar “lacrar” num pronunciamento com oclinhos da opressão de plástico. Por outro lado, colecionou brigas com deputados (gritou e chorou na Câmara), com internautas (chamou a mãe de uma comentarista de “égua sarnenta e desdentada”) e até com um painel de Paulo Freire (“não é feio de doer?”). Termina o ano na corda bamba: assessores próximos foram exonerados e as apostas são de que ele não volta das férias, iniciadas no dia 13.

2- Vélez Rodríguez

“Na” e “da”. Duas sílabas que resumem o legado do colombiano à frente do MEC. Em quatro meses, Ricardo Vélez Rodríguez, criador de um programa de pós-graduação descredenciado pelo ministério que ele viria a chefiar, só interrompeu a inoperância para propor folclorismos como a obrigatoriedade de cantar o hino nas escolas. Será lembrado pela desastrosa entrevista à revista Veja (“O brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba assentos salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo.”)  e pela descompostura que levou da deputada Tábata Amaral (PDT-SP) na Comissão de Educação da Câmara.

3- Future-se

Tudo indica que o plano do MEC para modificar o financiamento de universidades federais não tenha passado de um balão de ensaio. Apresentado em julho, o Future-se previa um fundo privado de financiamento, a gestão por organizações sociais e o estímulo ao empreendedorismo. A proposta foi massacrada em Conselhos Universitários e fortemente questionada por especialistas, para quem os problemas de falta de verba não seriam resolvidos – e novas desigualdades seriam criadas. “Se fosse resumir, diria que o Future-se soa como uma tentativa de vender que se está melhorando o financiamento da educação, quando, na verdade, as universidades serão deixadas na mão”, resumiu em entrevista ao blog Marina Avelar, pesquisadora associada do grupo Norrag, do Graduate Institute of Internacional and Development Studies, na Suíça.

4- Método fônico na alfabetização

Já são baixas as expectativas de uma proposta elaborada por uma equipe cujo único pedagogo defende o homeschooling (educação domiciliar). Mas o projeto do MEC para a alfabetização, apresentado como o único com “evidências científicas” (o que é falso), ignora o debate científico do campo educacional realizado por pesquisadores da América Latina nos últimos 20 anos. “A nova política é um retrocesso sem precedentes na história da educação do nosso país”, afirmou em conversa com o blog Giovana Cristina Zen, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Mestrado Profissional em Educação na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

5- Chacina em Suzano

Em 13 de março, dois ex-alunos invadiram a E.E. Professor Artur Brasil e abriram fogo, matando 7 pessoas e ferindo outras 11. Por aqui, como nos Estados Unidos, as chacinas escolares ganham triste recorrência. Há preocupantes semelhanças, também, na trajetória dos assassinos, com o celular e os contatos com a deep web ocupando lugar central na vida. Na época do massacre, escrevi: “Celulares, computadores, redes sociais não causam massacres. Mas há tempos se sabe que a tecnologia não é neutra. De um lado, grupos que incitam o ódio e o crime na internet. De outro, multidões hipnotizadas por timelines infinitas e sem tempo para ouvir as angústias do outro. Quanto tempo vamos demorar para enfrentar esses dois problemas? Quanto tempo vamos levar para desconectar influências claramente negativas e nos reconectarmos a nós mesmos?”

6- Disque-denúncia contra professores

Denúncias anônimas, em geral, servem para proteger a parte mais fraca de algum perigo ou ameaça. A intenção do MEC e do Ministério da Mulher ao criar um canal para alertas nas escolas caminha na direção contrária. Apesar da justificativa oficial de fomentar “um ambiente fraterno, plural e sem bullying”, o desejo parece ser fortalecer o Escola Sem Partido, perseguindo professores que pratiquem “doutrinação ideológica” (veja item 9) ou que ponha em xeque preceitos religiosos defendidos pelos ministros Damares (“O Estado é laico, mas esta ministra é terrivelmente cristã”) e Weintraub (“Eu sou a pedra que o rei Davi pegou do chão, colocou na funda e jogou para derrubar Golias”).

7- Cortes

A notícia do bloqueio de 30% dos recursos de custeio das universidades públicas levou estudantes às ruas e reitores ao desespero com a perspectiva de não terem dinheiro para terminar o ano letivo. Em outubro, o MEC anunciou remanejamentos internos e liberou todo o saldo represado. Mas diversas ações, da educação básica ao pós-doutorado, seguiram com recursos ceifados. As três rodadas de corte nas bolsas eliminaram mais de 17 mil financiamentos, colocando a pós-graduação brasileira em colapso. O ritmo de gastos também preocupa. No dia 18 de dezembro, quase um terço do orçamento de 149 bilhões ainda não havia sido executado, segundo informações do Portal da Transparência.

8- Negacionismo histórico

O nazismo é de esquerda, a escravidão foi apenas um problema moral, os índios são preguiçosos… Foram variadas as afirmações de autoridades do governo sem respaldo na realidade, contrariando o conhecimento histórico constituído. No final do ano, a polêmica se deu pela exibição na TV Escola, emissora ligada ao MEC, da série “Brasil: a última cruzada”. “A série é, de fato, uma peça de propaganda ideológica de um grupo extremista. Profissionais sem trabalhos de pesquisa e sem formação específica em História dedicam-se a construir uma narrativa fantasiosa, equivocada e preconceituosa do processo de colonização do Brasil”, afirma uma nota assinada por 25 professores de História da USP. “O objetivo da série é defender uma posição política de extrema direita, alinhada com o pensamento do atual grupo que exerce a Presidência da República e sua guerra particular contra a cultura e o conhecimento científico”. O historiador Fernando Nicolazzi, da UFRGS, concedeu ao blog uma entrevista sobre os usos políticos do passado.

9- Acusações sem provas

Enquanto iniciativa, o Escola sem Partido agonizou em 2019. Em julho, seu fundador, o procurador Miguel Nagib, reclamou da falta de apoio do governo Bolsonaro. Mas suas sementes seguem germinando: tanto Abraham Weintraub quanto Damares Alves são apoiadores do ESP. Ambos já declararam que as escolas são centro de doutrinação marxista e se opõem à “ideologia” de gênero. “O Brasil tem 45 milhões de alunos e 2 milhões de educadores. Tudo o que o Escola Sem Partido conseguiu coletar até hoje foram algumas dezenas de denúncias de condutas impróprias. Que devem, sim, ser coibidas, mas em geral a própria escola costuma ser capaz de resolver o problema”, escrevi em novembro no blog.

10- O ódio a Paulo Freire

“É preciso expurgar sua ideologia”, já vaticinava o programa de governo (na verdade, uma coleção de powerpoints) de Bolsonaro. Em sua estratégia de campanha permanente, o presidente tem o costume de fabricar inimigos. Freire é um alvo preferencial. Na ofensa mais recente, em dezembro, o capitão reformado o chamou de “energúmeno”. Se tivesse lido Freire, Bolsonaro saberia que ele não tirou nada do ensino, só acrescentou. Ao imprescindível conhecimento docente sobre a área que leciona, o intelectual brasileiro mais citado no mundo adicionou que era preciso entender a realidade dos educandos e pensar numa educação voltada para a autonomia em vez da decoreba. Bolsonaro também erra no tamanho da influência de Freire nas escolas e universidades: nas faculdades de Pedagogia e Licenciaturas, são poucos os cursos que o consideram como bibliografia.

Uma razão para ter esperança

#15M

O mais robusto protesto contra o governo Bolsonaro teve razões concretas: o cancelamento de bolsas de pesquisa, o uso de verba da educação para pagar emendas de parlamentares que votassem a favor da reforma da Previdência e a ameaça de retenção de recursos em universidades federais por “balbúrdia”. Protestos pacíficos em mais de 200 cidades questionaram as prioridades da administração federal, de diversos estados e municípios. As marchas dividiram espaço com aulas públicas sobre temas variados e mostraram que haveria resistência contra mudanças. O “tsunami da educação” arrefeceu no restante do ano e as manifestações posteriores não conseguiram repetir o sucesso de 15 de maio de 2019. Mas as reações a políticas de corte e fechamento de instituições em todos os níveis da federação — a mais recente ocorreu em dezembro, em Barueri (SP) — mostram que professores, pais e alunos querem tomar o desafio da educação em suas próprias mãos.

Fonte: DCM