São Paulo – A crise sanitária e econômica trazida pela pandemia da covid-19 elevou de 65% para 67,5% o percentual de famílias brasileiras com contas e dívidas acumuladas em um patamar muito além da sua capacidade de pagar – o chamado superendividamento. São pessoas que fazem empréstimos para saldar outros empréstimos e se afundam nas armadilhas do sistema financeiro, sem perspectivas de negociação com seus credores e muitas vezes sem esperança de encerrar esse ciclo.
De acordo com o Insituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o fenômeno, que surgiu com a crise financeira internacional de 2008, passou a ganhar força em diferentes níveis socioeconômicos (assista vídeo no final da reportagem). Mas a perda de emprego e de renda na pandemia ajudou a tornar esse poço ainda mais fundo.
Ruim para as famílias, que são excluídas do consumo e passam a enfrentar problemas de saúde de ordem física e emocional, essa situação tem impactos negativos também sobre a economia como um todo. Segundo o Idec, a recuperação da capacidade de consumo responde por 60% do PIB, com potencial de injetar R$ 550 bilhões no mercado por meio da reestruturação das dívidas. Assim, evitar que as pessoas percam o controle sobre suas finanças – e ajudá-las a sair dessa situação que chega a ser desesperadora – é fundamental para a melhora do desempenho econômico do país.
Incentivo às dívidas
Mas a falta de regulação da oferta de crédito e a ausência de políticas públicas para tratar o envididamento no Brasil impedem a solução do problema já superado nos Estados Unidos, Holanda, Reino Unido e França.
“No Brasil faltam mecanismos de educação financeira para as pessoas não caírem nas armadilhas do crédito e se endividarem. E também para ajudar as endividadas a resolver a sua situação antes que se perca o controle”, disse à RBA Ione Amorim, economista do Idec.
O combate ao superendividamento requer medidas preventivas e educação financeira para esclarecer sobre os riscos do crédito, inclusive de produtos bancários, evitando-se assim a impulsividade na hora da compra. É preciso também disciplinar a oferta do crédito, o que depende de mudanças nas práticas de marketing e adoção de padrões para a publicidade no setor publicidade. E acolhimento dos consumidores superendividados por meio de conciliações coletivas e medidas judiciais e extrajudiciais para a reestruturação das dívidas.
“Sem essa educação financeira, as pessoas não refletem e nem comparam preços na hora da compra, se iludem com ofertas ‘sem juros’, ou com prazo esticado para pagar, sem somar quanto terá pago no final. No caso de serviços bancários, entendem a figura do gerente como se fosse uma autoridade que não deve ser confrontada. Não questionam valores e não procuram outros bancos em busca de melhores condições (de financiamento ou empréstimo)”, diz Ione.
Prevenção da inadimplência
Um projeto nesse sentido, que aperfeiçoa o Código de Defesa do Consumidor (CDC) tramita na Câmara. Trata-se do Projeto de Lei (PL) 3.515/2015, que preenche lacunas regulatórias apontadas pelo Idec para proteção do consumidor e prevenção da inadimplência. Entre os mecanismos estabelecidos estão o rigor com os contratos, que devem ter informações mais claras para os consumidores, maior clareza em relação aos custos adicionais embutidos no crédito e financiamento da compra, como taxas de juros e riscos.
O PL fala ainda em instrumentos para avaliar a capacidade de pagamento do crédito alinhada ao nível de renda do tomador, da possibilidade de o consumidor renegociar sua dívida antes que perca sua capacidade de pagar as contas, da regulação da publicidade da oferta crédito, proibindo termos como “sem juros”, “gratuito”, “sem acréscimo” e com “taxa zero” – quando tudo isso está embutido no preço. E também de uma política de dificulte a inadimplência e o endividamento, como redução de juros e proibição do assédio ao consumidor por todos os meios, em especial os idosos, analfabetos, doentes ou alguma outra vulnerabilidade.
Aprovado no Senado por unanimidade, o projeto estava na pauta desde o último dia 17. A exemplo das sessões anteriore, a desta terça-feira (22) também terminou sem que a proposta fosse votada.
Fonte: RBA