São Paulo – Desde domingo (17), quando começaram a ser aplicadas as doses da vacina chinesa CoronaVac contra a Covid-19 em São Paulo, a possibilidade de imunização da população brasileira em larga escala sofre um revés a cada dia. Com marcas de incompetência e equívocos de gestão, o governo Bolsonaro dá sucessivas mostras de que o Brasil deve temer pelo futuro das vacinas. Após o entusiasmo, confirmou-se o fiasco do avião que decolaria de Recife rumo à Índia, de onde traria 2 milhões de doses da vacina de Oxford. Depois, veio a informação de que o país não consegue o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) – insumo sem o qual não se produz os imunizantes.

Já nesta terça-feira (19), veio público a informação de que a conduta do Brasil de Bolsonaro – que bombardeou durante meses a proposta indiana de abolir as patentes das vacinas – hoje se volta contra o país. Em uma reunião na Organização Mundial do Comércio (OMC) em Genebra, o representante da Índia atribuiu a escassez de vacinas, o “pior dos pesadelos”, à restrição imposta pelas patentes – defendida pelos Estados Unidos e países ricos. O relato é do jornalista Jamil Chade, do Uol, em sua coluna.

A mesma situação envolve a Índia e a China e diz respeito à brutal incapacidade do governo de Jair Bolsonaro na área de Relações Exteriores. O governo passou dois anos dedicando sua diplomacia a bater continência aos EUA de Donald Trump, que amanhã (20) encerra seu catastrófico mandato. Ao se aliar incondicionalmente ao hoje derrotado republicano, o governo do “chanceler” Ernesto Araújo não apenas bombardeou a proposta da Índia. Também passou dois anos atacando a China com toda espécie de vulgaridades, acusando o seu maior parceiro comercial de disseminar o coronavírus pelo mundo.

Legislativo entra em campo

Na falta de ações do governo federal, o Legislativo corre atrás do prejuízo. Nesta terça, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), marcou audiência com o embaixador da China, Yang Wanming. Quer tentar resolver o impasse que trava o envio de insumos para a fabricação de vacinas no Brasil.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) defende uma missão parlamentar para tentar negociar com os chineses e resolver o impasse. Diante da indisposição chinesa ante o Brasil dos Bolsonaro, a tarefa dos deputados não será fácil. Ironicamente, o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara é justamente Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Portanto, a comissão não toma nenhuma atitude. “O que tem que fazer é passar por cima dele”, diz Teixeira.

“Diante de tantos ataques, o governo chinês não deve estar se empenhando para que o insumo venha para cá mais rápido. Isso junto ao fato de que a China, como a Índia, tem muita gente para vacinar. Outros países solicitam o produto, e numa situação de pressão a tendência é que os países atendam primeiro aqueles que os tratam melhor”, avalia Miriam Gomes Saraiva, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

A culpa é do fuso horário

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, chegou a dar uma justificativa sobre o impasse nas negociações com a Índia. “O fuso horário é muito complicado. Nós estamos recebendo a sinalização de que isso poderá ser resolvido nos próximos dias”, disse o ministro na segunda (18).

Para Miriam, tal justificativa governamental, que virou piada nas redes sociais, mostra que o país patina não apenas por causa das agressões verbais, mas também por pura incompetência. “Isso significa a diplomacia brasileira assumir que não sabe que no mundo existe fuso horário?”, ironiza.

Biden assume: pior para Bolsonaro

Segundo a CNN Brasil, integrantes “do alto escalão” do governo admitem reservadamente que a péssima relação com a China travou a importação de insumos para a produção das vacinas. A todo o caos diante da maior crise sanitária em um século, soma-se outro fator que deve colocar o Brasil em um isolamento no mundo cada vez mais insustentável. Nesta quarta (20), toma posse nos Estados Unidos o democrata Joe Biden. A pesquisadora da Uerj lembra que o atual embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, colocado no posto pelo ministro Ernesto Araújo, é amigo de Olavo de Carvalho.

Chamado por parte da mídia de “professor” e “filósofo”, o “guru” afirmou em novembro, durante as eleições nos EUA, que se Biden vencesse seria por “crime eleitoral”. Olavo ainda vaticinou: “Mesmo que a contagem final seja a favor dele, ele vai ter que ir para a cadeia”. O olavista Forster enviou mensagens nas quais destacou as “percebidas irregularidades e denúncias de fraude” nas eleições que levaram Biden à Casa Branca.

“O novo presidente dos Estados Unidos vai receber alguém nessa circunstância? Se fosse o presidente americano, eu não me reuniria com um embaixador que passou a campanha eleitoral adulando o outro candidato. Mandaria um funcionário de décimo escalão para falar com ele”, diz Miriam Saraiva.

Para ela, quanto à politica externa, o Legislativo também “está comendo mosca faz tempo”. Afinal, o Senado aprovou facilmente o nome de Nestor Forster como embaixador. “O Legislativo está muito devagar”, afirma a professora.

Fonte: RBA