Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia
Passei os primeiros anos de minha vida adulta brigando com os militantes do PSOL carioca, que insistiam em dizer que os governos petistas “incluíam apenas pelo consumo”, e que isso era pouco.
Geralmente, eram moças e rapazes criados em famílias de classe média. Na adolescência, jogavam basquete no Aterro do Flamengo. Sempre tiveram quarto próprio, com poster do Star Wars na parede. Se alfabetizaram em inglês ainda na infância, apaixonados por rock in roll gringo.
Eu sempre dizia que “a inserção pelo consumo” só é algo menos para os que sempre puderam consumir. Aí dizia que eles eram um bando de playboys, e que só podia discutir o assunto quem tinha registro no PIS.
Era lugar de fala na veia, mas a partir do critério de classe social, e não os floreios liberais que posteriormente permitiriam a quase todos reivindicar lugar no reino dos oprimidos. Tá aí a miséria da esquerda contemporânea. Mas isso é outra conversa.
A galera ficava irritada comigo. Muitos estão me lendo agora, e estão se identificando, lembrando, e se irritando novamente. Não posso dizer que não sinto certo prazer juvenil nisso.
A cidadania começa pelo consumo. Óbvio que não se esgota aí, mas começa pelo consumo.
Lembro dos tempos de infância, na década de 1990. Minha mãe sempre adorou queijo, qualquer tipo de queijo. Era cena comum, no supermercado, ela pegar o queijo na mão, paquerar a iguaria, e deixar na prateleira, pois o orçamento familiar tinha prioridades.
Quando comecei o curso universitário na UFRJ, lembro de uma professora de Filosofia dizendo que só comia “frango feliz”, pois ela defendia os “direitos dos animais”.
O que é frango feliz?
Frango bio, com o bichano criado solto e serelepe nos campos verdejantes, sendo abatido sem estresse. Achei muito chique, coisa de gente inteligente. Queria comer frango feliz também. Aí no mercado Cristal, lá em Nilópolis, o frango feliz custava a bagatela de 47 reais o quilo. Deixa lá na prateleira, junto com o queijo.
Saíamos do mercado e voltávamos pra casa aguando. Uma com vontade de comer queijo. O outro com vontade de comer frango feliz, pra ser inteligente igual a professora.
E vejam que nem estou falando e passar fome não. Estou falando do desejo de consumo frustrado. Poder comer queijo todo dia é revolucionário. Pra filho de peão, pagar de intelectual dizendo que come frango feliz também.
O lulismo fez revolução dentro da ordem democrática.
É genial!!!
Lula, talvez, seja a única liderança política que entendeu perfeitamente o Brasil, o povo brasileiro.
Minha família foi umas milhares que chegaram na classe média durante os governos petistas. Passou a ser uma farra. Geladeira lotada de queijo.
Queijo Minas, queijo prata, mussarela, a porra toda. Chegava visita, era um “quer um queijinho aí?’.
Em 2014, eu era professor de faculdade particular. Horista. Fies, ProUni. Aluno pra tudo quanto era lado. De segunda a sexta, grade fechada. Salário de dois dígitos. Fui morar em Copacabana. Chique demais. Prédio do lado do supermercado Pão de Açúcar.
Primeira coisa que fiz? Comprei três quilos de frango feliz. Rá!!!!! Foda-se!!! Por que choras, professora de Filosofia?
Depois de terminado o entusiasmo inicial, passei a comprar o frango triste mesmo. Sobrava mais pra cerveja, no samba lá da Gomes Freire. Felicidade mesmo era chegar fácil e rápido na Gomes Freire pro samba. Depois beber cerveja com uns amigos inteligentes no bar da cachaça e aprender um monte de coisa. Estar pertinho do Cine Estação, do Roxy, pra ver uns filmes europeus maneiros.
Direito à cidade que chama, né? Consumo!!! Desenvolvimento intelectual. Tudo!!!
“Se o trabalhador tudo produz, a ele tudo pertence”. Disse Marx.
Lula simplificou: claro que pobre pode comer camarão, pois é o pobre quem pesca, quem cozinha. Como não pode comer?
Luiz Inácio, intérprete do Brasil, verdadeiro intelectual orgânico. O presidente que formou minha geração. Que sorte, que privilégio!
Fonte: Jornalistas Livres