Decisão teve origem em ação civil pública movida pelo MPT
Em recente sentença, a Vara do Trabalho de Jardim condenou a empresa Sociedade Matodoradense de Agricultura e Pecuária Ltda – EPP, proprietária da fazenda Nova Paradouro, ao cumprimento de 17 obrigações de fazer e de não fazer, sob pena de multa no valor de R$ 1 mil por trabalhador prejudicado e por constatação, além do pagamento de R$ 20 mil a título de indenização por dano moral coletivo. Esse montante será destinado a instituições públicas ou privadas de caráter beneficente, indicadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e com a concordância da Justiça especializada.
“Diante das condições degradantes de trabalho relatadas na petição inicial, não contestadas pela ré, ficou patente que houve violação do princípio da dignidade da pessoa humana em razão da inobservância das normas de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde no trabalho. Desse modo, patente a violação de direitos cuja relevância social é incontestável”, enfatizou a juíza Anna Paula da Silva Santos, autora da sentença.
Desde 2019, essa fazenda situada na zona rural do município de Porto Murtinho – fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai – é alvo de ações fiscais deflagradas a partir de denúncias que narram fatos com características de trabalho semelhante à escravidão. Entre 2019 e 2021, 18 trabalhadores foram encontrados em regime de escravidão moderna na propriedade e, posteriormente, contemplados com as devidas verbas rescisórias e indenização por dano moral individual.
Eles eram expostos a diversas irregularidades no local onde construíam edificações e cercas para manejo de bovinos. O termo “falta” definia bastante aquela realidade: faltava água potável, alojamentos adequados, instalações sanitárias, equipamentos de proteção individual, registro do contrato de trabalho em sistema eletrônico (eSocial), além de outras garantias previstas na legislação.
Em dezembro de 2019, os auditores-fiscais lavraram 21 autos de infração com base nos vários ilícitos trabalhistas constatados na diligência. Mais adiante, em audiência administrativa, o representante da empresa proprietária da fazenda tentou afastar o vínculo empregatício com os trabalhadores resgatados, alegando que a relação entre eles se deu por meio de contrato de empreitada. Essa justificativa, porém, foi refutada pelo MPT em ação civil pública ajuizada posteriormente. “A realidade fática era a de que os ‘empreiteiros’ não se enquadravam no conceito legal de empregador e havia encarregado acampado nas mesmas condições degradantes às quais estavam submetidos todos os empregados”, sustentou o procurador do Trabalho Hiran Sebastião Meneghelli Filho.
Reparação às vítimas
No final do ano passado, um grupo de nove trabalhadores encontrados em 2019 na fazenda Nova Paradouro recebeu quase R$ 100 mil, entre pagamento de verbas rescisórias e de dano moral individual. No entanto, apesar de a empresa ter corrigido as ilegalidades apontadas pelo MPT, regularizando a situação das vítimas, outras infrações de mesma natureza se somam ao histórico da Sociedade Matodoradense de Agricultura e Pecuária Ltda – EPP.
Isso porque, em março de 2021, três pessoas foram retiradas de condições aviltantes de labor na propriedade rural, após serem contratadas para os serviços de corte, amontoamento e carregamento de madeira extraída de floresta nativa existente na fazenda, destinada à construção de “mata-burros” – vigas dispostas paralelamente e espaçadas, para a passagem de gados.
Na última diligência, o acesso à fazenda Nova Paradouro somente foi possível depois que o Ministério Público do Trabalho requereu à Justiça o rompimento de correntes e cadeados que impediam a entrada da equipe de fiscalização. Munidos da decisão judicial, os auditores encontraram, no trajeto até a sede da fazenda, estruturas improvisadas com galhos de árvore e revestidas na lateral e no teto com lonas plásticas. Embora desocupados, os precários barracos já sinalizavam desrespeito ao direito de um alojamento digno, que deveria ser oferecido pelo empregador aos trabalhadores.
No decorrer da inspeção, os homens foram localizados e encaminhados para suas cidades de origem. Juntos, receberam mais de R$ 25 mil entre pagamentos de verbas rescisórias e de dano moral individual.
Responsabilidade solidária
O Ministério Público do Trabalho também moveu ação civil pública em face das empresas CP Construtora Pirapozinho Ltda. e Comércio de Madeira & Carpintaria Pirapozinho Ltda., que segundo a instituição pertenciam ao mesmo grupo econômico e eram responsáveis solidárias pelo recrutamento de seis dos 15 trabalhadores mantidos em condições degradantes na fazenda Nova Paradouro em dezembro de 2019.
Embora a primeira ré tenha efetuado, ainda naquele ano, o pagamento de verbas rescisórias e o registro de quatro trabalhadores, os ilícitos praticados motivaram a lavratura de 14 autos de infração e ensejaram o ajuizamento de ação com o objetivo de compromissá-las ao cumprimento de regras de saúde, segurança e medicina do trabalho, bem como de proteger os atuais e futuros trabalhadores.
Na sentença proferida em 2021, as empresas foram condenadas à observância de dez obrigações de fazer e de não fazer, estabelecidas pela legislação laboral, sob pena de multa correspondente a R$ 10 mil por ordem descumprida. Já pela transgressão de interesses coletivos, as empresas foram penalizadas com o pagamento de reparação à sociedade fixada em R$ 30 mil.