Por unanimidade, os desembargadores da 1ª Câmara Criminal negaram provimento ao recurso impetrado por um homem, condenado em primeiro grau a 10 anos de reclusão, em regime inicial fechado, por estupro (artigos 217-A e 215, combinado com art. 71 – por cinco vezes, e art. 215 combinado com art. 14, II, todos do Código Penal).

De acordo com o processo, o apelante apresentava-se em municípios do interior de MS como “pastor missionário” e, em razão disso, instalava-se nas casas dos fiéis. Valendo-se da hospitalidade e confiança, submetia as mulheres a uma forma de “unção” com azeite. Tal “unção” – que tinha por fim confirmar a cura de problemas físicos e emocionais – consistia em massagear os órgãos sexuais femininos.

Consta dos autos que em 2018, aproveitando-se do fato de uma das vítimas estar abalada emocionalmente pela morte do marido e com suspeita de doença grave, o apelante convidou-a para ir até a residência onde se hospedava para um encontro de orações, com outras pessoas. No entanto, não havia outras pessoas no local e, sob argumento que ela estaria com grave enfermidade no pulmão, solicitou que a vítima deitasse na cama, retirasse suas roupas, quando passou um “óleo ungido” nas partes íntimas desta.

A viúva recusou-se a ter relação sexual com o apelante, mesmo após ele ter sugerido outro ambiente para o ato e ter dito que “daria vida boa e a tiraria do sofrimento”. A mulher ficou tão constrangida que deixou de procurar as autoridades, só tendo coragem de narrar os fatos após a prisão do acusado.

No período entre 22 a 27 de março de 2019, de acordo com o processo, sob o argumento de realizar campanhas de oração, o falso missionário hospedou-se na casa da segunda vítima, com quem consumou relação sexual, por cinco vezes, sob a justificativa de curar “maldições” que foram “depositadas” em seu útero, pelo ex-marido, por meio do uso de uma “pomada maligna”.

A terceira vítima foi a filha de uma senhora, dona da casa onde se hospedou em 2018. Com o propósito de fazer oração e “purificar” de um “mal” provocado pelo ex-marido na vagina da vítima, convidou a moça para uma unção, quando ele passaria um óleo nos seios, vagina e barriga. A moça recusou o procedimento e pediu que a irmã os acompanhasse para unção apenas na testa.

O falso pastor informou que a irmã deveria passar o óleo ungido nela, levantando a blusa, abrindo o zíper e baixando as calças. A mulher recusou novamente e informou a mãe sobre o comportamento anormal do homem, o que fez com que a dona da casa solicitasse que fosse embora de sua residência.

A quarta vítima, segundo os autos, foi uma adolescente para quem, em 2017, o réu propôs “orações” e passou a espalhar um óleo na barriga, testa, pernas, pescoço, mas a vítima se recusou a abrir o short. O acusado insistiu dizendo que deveria “ungir” a parte interna de seu órgão sexual, para que fosse bem-sucedida, sob pena de nenhum homem olhar para ela e sentir nojo da menina. Em outra oportunidade, por telefone, teria dito que quando voltasse a Miranda teria que consumar a conjunção carnal duas vezes para ela ser bem-sucedida na vida, para que o “anjo da guarda não a abandonasse”.

Narram os autos ainda que o estupro de uma menina de 11 anos, em janeiro de 2019, consistiu em passar “óleo” em seu corpo, por dentro do short e da blusa, na barriga, na região da virilha, na parte superior da vagina e em parte dos seios com a intenção de “curá-la” ou conferir-lhe benção.

A defesa pediu a absolvição do apelante em relação à segunda vítima por falta de provas, por entender que não existem fundamentos para mantença da condenação, argumentando que os atos praticados foram consentidos e pagos.

Em relação à quarta vítima, a defesa postulou sua absolvição, com fundamento no art. 386, inciso VII (por não existir prova suficiente para condenação), alegando que todas as orações eram feitas coletivamente e nunca conversou por telefone com a adolescente. Com relação à criança de 11 anos, alega que não tocou no corpo da menina. Teria visto-a somente uma vez e reafirmou que ungia as pessoas nas mãos e na testa.

O relator da apelação, juiz substituto em 2º Grau Lúcio Raimundo da Silveira, lembrou em seu voto que o apelante apresentava-se como e era considerado pastor missionário por parcela da comunidade, ancorando-se na credibilidade que ostentava o religioso. O magistrado citou ainda que a segunda vítima demonstrou não deter maiores elementos para distinguir a prática de sua fé com o crime que se concretizava.

“Todas as vítimas receberam propostas semelhantes, pautadas no mesmo elemento ludibriador: a fé intensa que ostentavam. A repetição das propostas do mesmo teor para mulheres distintas é evidência de que, por vezes, a fé conduzia as vítimas a malfadada benção via óleo, no que se caracteriza a tentativa do crime de fraude sexual”, escreveu.

Sobre o estupro da menina de 11 anos, o relator apontou que a conduta consistiu em ato libidinoso diverso da conjunção carnal, consumado (apto a satisfazer o prazer sexual), cujo conceito abrange variações que servem à satisfação da lascívia do agente.

Neste passo, o tipo penal imputado cuida do “ato libidinoso”, sem encerrar o conceito, importando, na verdade, a determinação do agente (satisfazer sua lascívia), o que foi fartamente comprovado. No entender do magistrado, ainda que do laudo não tenha constado violência nem vestígios dela, o crime foi consumado, sendo inafastável o reconhecimento da materialidade.

“Mantém-se inalterada a sentença. A matéria foi totalmente apreciada, sendo prescindível a indicação pormenorizada de normas legais em razão da vexata quaestio se confundir com o tema debatido. Ante ao exposto, com o parecer, nego provimento ao recurso defensivo”.

O processo tramitou em segredo de justiça.

Fonte: Dourados Agora