Apesar de ter tido uma forte valorização nos primeiros meses de 2022, rondando novamente os 120 mil pontos, o Ibovespa voltou a uma tendência de queda nas últimas semanas, e na sexta-feira (17) fechou abaixo da marca dos 100 mil pontos.

O movimento reflete uma combinação de cenário externo e interno negativos para os investidores, mas especialistas apontam que a bolsa brasileira está valendo muito menos do que deveria, e portanto pode ser atraente para investimentos.

De um lado, o movimento de alta de juros ao redor do mundo para lidar com a inflação, em especial nos Estados Unidos, reforçou temores de que a economia global entrará em recessão, levando os investidores a uma forte cautela e aversão a riscos. Isso leva à retirada de investimentos em mercados arriscados, caso do brasileiro.

Do outro, o risco fiscal voltou ao radar dos investidores no Brasil após anúncios do governo federal de medidas para conter os preços dos combustíveis, mas que implicarão em mais gastos e perda de receita, ameaçando o teto de gastos. Combinada a uma incerteza em relação ao período eleitoral, o ambiente leva a uma saída de investimentos, segundo Bruce Barbosa, sócio-fundador da Nord Research.

Mas nem tudo é negativo. Para especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, o mercado brasileiro possui algumas características que o deixam melhor posicionado para receber investimentos, e a bolsa “descontada”, ou seja, em um valor abaixo do justo considerando fundamentos técnicos, pode intensificar ainda mais esse processo.

Os fundamentos do Brasil

Para Barbosa, a principal vantagem da bolsa brasileira atualmente é o peso de ações ligadas a commodities, que representam 30% do Ibovespa, índice de referência no mercado. Esses produtos, em especial o petróleo e o minério de ferro, dispararam com a combinação da pandemia e da guerra na Ucrânia, favorecendo empresas produtoras e exportadoras.

Ao mesmo tempo, Barbosa ressalta que o Brasil já está praticamente no fim do ciclo de alta de juros, com uma das maiores taxas do mundo, e a moeda do país está desvalorizada ante o dólar, “então temos uma proteção forte contra crises”.

A combinação de commodities e juros em alta foi exatamente o que levou à forte recuperação do Ibovespa no primeiro trimestre de 2022, sustentada por um forte fluxo de entrada de investimentos estrangeiros.

Raphael Figueredo, analista da Eleven Financial, avalia que, além disso, “as empresas brasileiras, num contexto como um todo, acabaram passando pelo seu pior momento durante a pandemia. Agora, elas ficaram mais enxutas, conseguiram trabalhar em um nível de eficiência maior, divulgaram bons resultados e estão melhor preparadas para um ambiente mais difícil da economia”.

Ele afirma que a união de juros altos e inflação forte comprimem a margem das empresas, mas mesmo assim os fundamentos técnicos dos seus resultados indicam que elas estão cotadas a valores menores que o justo na bolsa, indicando um espaço para valorização.

“Então quando você combina esses fatos, combina os fundamentos das companhias, a ideia de que o Ibovespa tem mais de 30% de empresas ligadas a commodities, eu acredito que temos uma combinação entre desconto nas empresas brasileiras e oportunidades no mercado de commodities que permitiriam que a bolsa valorizasse”, diz.

Celso Placido, diretor de Investimentos da Warren, aponta ainda que está em andamento uma migração de investimentos de países emergentes considerados mais arriscados, como a China, a Rússia e a Turquia, para o Brasil. Os motivos vão desde a guerra na Ucrânia aos lockdowns na China, passando por problemas políticos específicos de cada nação.

“Quando você compara o Brasil aos outros países, eles também estão extremamente baixo, mas no caso brasileiro os dividendos das empresas estão muito superiores às medias históricas, diversas grandes empresas pagando na casa de dois dígitos, extremamente interessante, mesmo com a taxa Selic também elevada”, afirma.

As origens do desconto

Entretanto, mesmo com essa combinação de fatores favoráveis, o Ibovespa não apenas está distante do valor ideal esperado pelo mercado, que chega a superar os 120 mil pontos, como intensificou as quedas e chegou ao menor patamar desde novembro de 2020.

Raphael Figueredo afirma que esse desconto crescente é comum a todos os mercados emergentes, e está ligado a uma aceleração das taxas de juros ao redor do mundo. Os Estados Unidos, por exemplo, iniciaram um ciclo de elevação em março deste ano, e em junho aumentaram os juros em 0,75 ponto percentual, maior valor desde 1994.

Países como Inglaterra, Canadá, Austrália e Hungria também começaram a subir os juros, e o Banco Central Europeu (BCE) iniciará o seu ciclo de alta em julho.

Somado a isso, as pressões inflacionárias da guerra na Ucrânia e de novos lockdowns para conter a pandemia na China geram ainda mais pessimismo, e derrubam os mercados.

Esse contexto, segundo Barbosa, aponta que os múltiplos das empresas “refletem preços de crise, mesmo sem estarmos em uma crise. Temos juros altos, lucros subindo e uma desconfiança com a nossa economia, com problemas desde 2014 somados a incertezas com a eleição”.

“O mercado está super pessimista com o Brasil, mesmo antes dos Estados Unidos subirem juros, então a bolsa brasileira está extremamente barata, ela já precifica uma crise sem ter tido, ao contrário do mercado norte-americano, que começou a contrair agora”, afirma o sócio da Nord Research.

Mesmo assim, Figueredo avalia que “nós temos uma capacidade de absorver melhor esse fluxo de capital estrangeiro, porque somos exportadores de taxa de juros, e quando a gente absorve esse fluxo, quando o dinheiro já vem pro brasil, as oportunidades acabam se espalhando para as demais companhias, por isso acredito que o Ibovespa, mesmo sofrendo no curto prazo, em função deste momento, deve atrair fluxo mais pra frente pelo desconto atual”.

Apesar das perspectivas cada vez mais pessimistas a nível global, o analista projeta que a bolsa brasileira ainda deve ter em 2022 uma das melhores, se não a melhor, performance entre os mercados emergentes.

Já Celson Placido destaca que é importante ter uma perspectiva de longo prazo ao pensar no potencial da bolsa, indo além do “cenário catastrófico” atual que combina inflação recorde e juros em alta. Sob essa ótica, o mercado brasileiro tem potencial para subir.

“A gente tem empresas exportadoras, somos o celeiro do mundo, temos commodities tanto da parte de alimentos, como soja, milho, proteína, e metálicas, além do próprio petróleo. Então, o Brasil acaba se beneficiando sim desse processo de realocação de ativos no mundo em relação aos emergentes”, diz.

Brasil atraente

Em entrevista ao diretor do CNN Brasil Business, Fernando Nakagawa, o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Mauricio Claver-Carone, afirmou que investidores estrangeiros estão confiantes com os negócios no Brasil, e que o real é a moeda mais subvalorizada atualmente no mundo.

“A economia está crescendo, estão acontecendo novas inclusões no mercado. O que estamos vendo agora é uma derrocada da China e uma ascensão do Brasil”, destacou.

Mauricio Claver-Carone ressaltou a entrada de capital no Brasil em detrimento da preferência pelos mercados chineses.

“Pela primeira vez nas nossas vidas, estamos vendo dinheiro saindo da China e entrando no Brasil, um destaque nos mercados emergentes nos quais os chineses são referência”, pontuou.

“Está entrando investimento no Brasil em um nível recorde”, concluiu.