Um novo estudo em fase pré-clínica (não testado em humanos) para tratamento do câncer de mama em estágio inicial se mostrou promissor em eliminar completamente a doença de uma forma menos invasiva que as terapias convencionais. Os resultados foram publicados na revista científica Proceedings of the National Academy of Science.
De modo geral, o câncer de mama é o tumor mais frequente nas mulheres do mundo inteiro. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2020, havia 2,3 milhões de mulheres diagnosticadas com câncer de mama e 685 mil mortes globais.
No Brasil, as estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca) apontam que cerca de 66.280 pessoas devem ser diagnosticadas anualmente com câncer de mama. No que se refere ao número de mortes pela doença, o levantamento do Inca mostrou que 18.032 morrem anualmente no país em decorrência do tumor.
Já nos Estados Unidos, esse tipo de câncer afeta 69 mil mulheres a cada ano, e em vários casos, elas acabam fazendo cirurgia de remoção de mama e tratamentos de radiação para esses cânceres muito precoces.
Em outras situações, alguns pacientes recebem quimioterapia ou terapias hormonais, explicou a autora principal do estudo Saraswati Sukumar, professor de oncologia e patologia da Universidade de Johns Hopkins.
Agora, o trabalho realizado em camundongos fornece uma forte base pré-clínica para a realização de ensaios de viabilidade e segurança com pacientes que têm câncer de mama em estágio 0, também conhecido como carcinoma ductal in situ (DCIS), de acordo com os autores.
O tumor DCIS é caracterizado pela presença de células pré-cancerosas anormais dentro dos ductos de leite na mama. Nesta fase da doença, as células cancerosas estão somente na camada da qual elas se desenvolveram e ainda não se espalharam para outras camadas do órgão de origem.
Menos invasivo
Pensando em evitar um tratamento invasivo como mastectomia (retirada da mama), a equipe de pesquisa propôs uma tipo de terapia que consiste na aplicação de uma injeção com a droga imunotoxina pelo duto mamário, que poderia poderia resultar na limpeza do DCIS.
“Para nossa grande surpresa, as drogas “mataram” todas as lesões presentes naquele ducto mamário. Eu nunca tinha visto resultados tão expressivos em minha vida”, disse Sukumar.
Durante suas investigações com camundongos, os pesquisadores primeiro avaliaram os efeitos de morte celular de HB21(Fv)-PE40, uma imunotoxina direcionada, em quatro linhagens celulares de diferentes subtipos moleculares de câncer de mama.
Essa toxina consiste em HB21, um anticorpo monoclonal (proteína que pode se ligar a um alvo específico — neste caso, ao receptor de transferrina humana (TRF), uma proteína transportadora encontrada em câncer de mama).
A HB21 foi fundido ao PE40, um fragmento de uma toxina bacteriana que interrompe a produção de proteínas nas células e leva à morte celular.
As descobertas mostraram que essa infusão induziu fortes efeitos de morte do tumor em todas as linhagens celulares.
Os pesquisadores também administraram o tratamento em 10 camundongos para procurar toxinas circulando no sangue após o tratamento e não encontraram-nas entre cinco e 30 minutos após a injeção.
À CNN, especialistas do Inca, que não estiveram envolvidos no estudo, explicaram que o trabalho consegue “potencializar a ação da imunotoxina”.
“A toxicidade do tratamento vem sendo contornada com a administração direta dentro do ducto mamário visando o tratamento do carcinoma intraductal (in situ) da mama, sendo este o alvo da imunotoxina”, escreveram.
Contudo, os especialistas explicaram que a injeção “não se aplica, no momento, a carcinomas invasores em qualquer estadiamento”.
Sem recorrência do tumor
A equipe de pesquisa dividiu os camundongos em dois grupos diferentes para administrar o tratamento a fim de comparar o resultado o MCF7 e o SUM225. Ambos possuíam o tumor DCIS.
O primeiro grupo, MCF7, foi administrado uma vez por semana durante três semanas. Os tratamentos foram acompanhados com imagens não invasivas. Para comparar, eles também administraram a injeção no corpo dos camundogos e também injetaram o anticorpo HB21 sozinho nos dutos em alguns dos animais.
Os resultados mostraram que os animais que receberam injeções de tratamento com toxinas HB21 (Fv)-PE40 no corpo tiveram um crescimento tumoral mais lento. No entanto, os tumores recorreram após a interrupção do tratamento por volta do 26º dia.
Aqueles que receberam o HB21 sozinho nos dutos tiveram tumores invasivos no 61º dia após a injeção.
Já os camundongos que receberam o tratamento direto nos ductos mamários, tiveram os tumores completamente eliminados duas semanas após a conclusão de dois dos três tratamentos propostos, e nenhuma recorrência foi detectada por imagem mesmo após 61 dias da injeção de HB21 (Fv)-PE40.
Para monitorar a evolução do tratamento, os pesquisadores realizaram exames de patologia das glândulas mamárias no 32ª segundo dia. Eles descobriram que as células tumorais estavam ausentes e a arquitetura era consistente com as glândulas mamárias normais.
No segundo grupo (SUM225), os pesquisadores experimentaram um piloto com o tratamento com toxina que mostrou a eliminação de tumores em apenas duas semanas de tratamento, conforme visto por imagem. Não houve recorrência da doença até o encerramento do experimento, 48 dias depois.
Para rastrear, um segundo experimento testou a mesma dose em um grupo e 1/10 da dose do tratamento em outro, bem como o anticorpo HB21 sozinho, em algumas amostras.
Na maioria das glândulas mamárias não houve incidência de tumor após o tratamento intraductal completo, com efeitos mais fracos observados no grupo que recebeu a dose mais baixa.
Os resultados também mostraram que os tumores SUM225 crescem agressivamente no local do ducto. Estudos de patologia demonstraram que o anticorpo HB21 sozinho teve pouco efeito, enquanto o tratamento conjugado de imunotoxina (HB21 (Fv)-PE40.) mostrou um efeito significativo na redução do tumor.
O tratamento foi bem tolerado, sem efeitos colaterais da toxina ou injeção.
Como funcionaria a injeção em humanos
Como o estudo ainda está na fase pré-clínica, os especialista do Inca explicaram que, caso avance, o tratamento pode se mostrar útil para outros tipos de tumores.
“Sem dúvida que a estratégia pode ser útil para os tumores que expressarem altos níveis de transferrina humana receptora (TRF). No câncer de mama o TRF é expresso em vários subtipos, o que pode ser um alvo promissor”, disseram
Contudo, apontam que os ensaios podem apresentar outros resultados quando mudarem de fase.
“Muitas substâncias que apresentam sucesso em ensaios nos modelos animais não atingem a mesma resposta em humanos. Por isso, como a pesquisa é muito preliminar, embora com resultados interessantes em animais, devemos aguardar os estudos clínicos para sabermos quão bem ela funcionaria no mundo real”, avaliou o Inca.
Para os especialistas do instituto nacional, ainda há á um caminho muito longo a percorrer para que possamos afirmar algo com relação a este estudo.
“Na prática é apenas mais um possibilidade ainda. Mas o trabalho segue uma tendência interessante que temos visto em outras estratégias, inclusive para tumores de mama”, disse o Inca.
Identificando o câncer de mama precocemente
A injeção proposta para pacientes de câncer de mama teve bons resultados na fase pré-clínica porque o turmor estava em estágio inicial. À CNN, a oncologista Débora Gagliato, da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, contou que quando diagnosticado precocemente, as chances de cura do câncer de mama tendem a ser “altíssimas”.
“Hoje, um tumor adequadamente manejado, diagnosticado precocemente, localizado apenas na mama, tem chances de cura bem elevadas, da ordem dos 95% [de chances]”, explicou.
Em alguns casos, os sintomas iniciais podem aparecer por meio de um nódulo (caroço), fixo e geralmente indolor: é a principal manifestação da doença, estando presente em cerca de 90% dos casos quando o câncer é percebido pela própria mulher.
Algumas manchas avermelhadas, e mama retraída ou parecida com casca de laranja. Os sintomas também incluem alterações no bico do peito, pequenos nódulos nas axilas ou no pescoço e saída espontânea de líquido anormal pelos mamilos, segundo o Inca.
Mas, nem sempre o tumor é diagnosticado precocemente — o que dificultaria as chances de cura. Gagliato explicou que em alguns casos pode não haver qualquer sintoma. “Muitas vezes o câncer de mama não manifesta sintomas, por isso a importância dos exames de rastreio”, avaliou.
Segundo a oncologista, os principais exames para diagnóstico são a mamografia e ultrassonografia de mama. “Depois, outros exames adicionais, como a ressonância [magnética], podem ser importantes dependendo do contexto, da densidade mamária, da história familiar ou fatores genéticos”, afirma.
Para o Inca, quanto mais pudermos direcionar a toxicidade de fármacos e toxinas para o tumor, maiores chances temos de encontrar tratamentos que mudem o curso dos tumores que mais afligem a população hoje em dia, como o câncer de mama, o mais incidente no mundo.
Diagnosticar precocemente seria o cenário ideal para o tratamento de injeção específica dos pesquisadores da Universidade de Johns Hopkins.
De acordo com Sukumar, o estudo clínico [em humanos] deve avançar. “Uma ou duas semanas antes da cirurgia, os cientistas podem administrar às mulheres uma dose baixa de HB21(Fv)-PE40 através de um único duto e usar doses crescentes lentamente para determinar se alguma imunotoxina escapa dos dutos para a corrente sanguínea e afeta a função hepática. Eles também examinaria os ductos após a remoção da mama para procurar alterações no tecido e seu efeito em lesões pré-cancerosas”, finalizou.
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