“O presidente quis impor a utilização da cloroquina por decreto, e a Suprema Corte teve que interferir e proibir”, lamentou Boff. “Mesmo sem nenhuma base científica, ele [Bolsonaro] segue recomendando esse remédio”

(Foto: CNJ)

Sputnik News – A pandemia de COVID-19 impõe a morte ao cotidiano de todos os brasileiros. Conversamos com o teólogo Leonardo Boff para entender qual o papel de Deus e da política para salvar o país do novo coronavírus.

Depois de acalorados debates contra e a favor da quarentena, nesta quinta-feira (28), o Brasil registrou mais de mil mortes por coronavírus pelo 3º dia consecutivo e se consolida como o segundo país mais atingido pela pandemia mundialmente.

No entanto, o teólogo Leonardo Boff lembra que os números publicados pelo governo podem ser questionados, uma vez que “quem controla o Ministério da Saúde não são médicos, ou pessoas com formação científica”, mas militares.

“Há denúncias de que os números de casos podem ser sete vezes maiores, e a de mortos ser cinco vezes superior ao que eles informam”, afirmou Boff à Sputnik Mundo.

Para o fundador da Teologia da Libertação, “muitos morrem por falta de assistência” e o “governo de militares” gerencia mal a pandemia.

“O presidente quis impor a utilização da cloroquina por decreto, e a Suprema Corte teve que interferir e proibir”, lamentou Boff. “Mesmo sem nenhuma base científica, ele [Bolsonaro] segue recomendando esse remédio.”

O teólogo vê uma “grande contradição” entre um presidente que se diz adorador de Deus, mas parece indiferente ao sofrimento das famílias brasileiras que perderam seus parentes pela COVID-19.

“Bolsonaro está continuamente exigindo sacrifícios humanos, porque não dá assistência ao povo, não se importa com as mortes, não expressa nenhuma solidariedade com as vítimas, nem com as pessoas de notoriedade que faleceram, nada. O Deus de Bolsonaro não é o Deus da vida, mas é o Deus da morte”, declarou Boff.

População Indígena

Além da preocupação com a população pobre brasileira, “que não tem condições de realizar o isolamento social”, Boff se preocupa com a população indígena.

“[Na Amazônia] 44 etnias foram afetadas [pela COVID-19]. Muitos dos indígenas estão indo para o interior da floresta, acreditando que assim podem escapar do contágio”, contou Boff.

“Os indígenas são vulneráveis a essas doenças, e inclusive morrem por gripe e pneumonia. Com o coronavírus será um desastre total”, lamentou.

Além da ameaça sanitária, os índios enfrentam ainda “os madeireiros, que estão aproveitando a pandemia para ocupar terras indígenas“.

“Estão produzindo incêndios em áreas maiores do que a da cidade de São Paulo, e a notícia não sai em lugar nenhum, porque todos estão falando sobre o coronavírus”, denunciou.

“No dia 22 de abril, o ministro [do Meio Ambiente], Ricardo Salles […] propôs ao presidente que aproveitassem que todos os meios de comunicação estão focados no coronavírus para abolir as leis que limitam o desmatamento e estender a ocupação da Floresta Amazônica, em especial das terras indígenas”, lembrou Boff.

Meio Ambiente

Como teólogo colaborador da elaboração da encíclica Laudato Si sobre o cuidado com a Casa Comum, publicado pelo Papa Francisco em maio de 2015, Boff tem se firmado como uma liderança na área ambiental.

“Como disse o Papa Francisco, chegamos a uma emergência ecológica”, disse Boff. “A terra tem recursos limitados e não suporta um projeto ilimitado.”

© REUTERS / RODOLFO BUHRERPadre católico Reginaldo Manzotti dá hóstia para senhora, em missa drive-thru em comemoração ao Dia das Mães, em Curitiba, 10 de maio de 2020

“A terra nos dá tudo o que necessitamos para viver, então temos que cuidar dela, amá-la, defendê-la, deixá-la respirar”, defendeu.

“O Papa reconhece, e já disse isso várias vezes, que o futuro da vida depende das grandes florestas do Congo e especialmente da Amazônia”, ressaltou.

Para ele, a pandemia nos dá uma oportunidade de “refletir sobre qual a relação que temos e queremos ter com a natureza”.

Pós-pandemia

Para o teólogo, as sociedades podem evoluir de duas formas, após a pandemia:

“Alguns dizem que vamos voltar a um mundo muito pior do que o de antes, com um sistema totalitário que usará da inteligência artificial para controlar cada uma das pessoas”, disse.

Mas há “outra alternativa”, que defende que “quando a humanidade enfrenta o perigo de extinção, começa um processo de mudança”, que permitirá a “incorporação do tema ecológico”.

© FOTO / PIXABAYAmazônia

“Chegaríamos a uma consciência coletiva para criar um pacto social mundial de todos os países, acerca de um elemento que é essencial para todos: a água.”

Para Boff, temos a oportunidade “de elaborar uma estratégia para garantir que todos tenham acesso à água, que é um direito humano essencial, conforme definido pela ONU”.

Esperança

Sob o ponto de vista científico, o teólogo expressou estar “pessimista” quanto ao futuro da humanidade. “Mas como cristão e teólogo”, ele tem esperança “em Deus, que é o Deus da vida”.

“Um Deus amante apaixonado pela vida não vai permitir que a nossa vida desapareça dessa forma tão miserável […] nós vamos mudar, porque ninguém quer morrer”, disse.

© FOLHAPRESS / BRUNO SANTOSCom Raoni, líder indígena caiapó, no centro, encerramento do encontro de lideranças indígenas do Brasil, na aldeia de Piaraçu, às margens do rio Xingu, em São José do Xingu, no Mato Grosso.

“A vida é mais forte que a morte […] Eu creio que isso vai dominar, porque isso é fruto da minha fé.”

Leonardo Boff é teólogo brasileiro cofundador da Teologia da Libertação. Foi membro da ordem dos Frades Menores franciscanos e é professor de ética, filosofia e religião da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Fonte: Brasil 247