“Ninguém tem o direito de ficar surpreso com o espancamento de João Alberto Vieira Freitas, 40 anos, executado por dois seguranças de um supermercado da rede Carrefour, de Porto Alegre”, escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia

(Foto: Divulgação)

Por Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia

Num país onde a selvageria racista é uma rotina institucionalizada desde que o primeiro navio negreiro aportou na costa atlântica, poucas décadas depois da chegada de Cabral, cenas desse tipo são um retrato banal de uma violência subterrânea, tolerada num regime de escândalos passageiros e cumplicidade duradoura.  

A grande novidade encontra-se no vídeo, onde é possível enxergar, ao vivo e a cores, o ódio em ação. São rasteiras, socos no rosto e tentativas de estrangulamento, que produziram a morte de João Alberto, alvo de murros e pontapés que avançaram em fúria pelo rosto, pelo peito, pela barriga, pela cabeça – tudo isso a vista do país inteiro. 

Não falta sequer o dedo em riste e a advertência de uma funcionária graduada do supermercado. Deveria conter a selvageria, mas não. 

Em vez disso, é vista e ouvida investindo em tom ameaçador contra uma testemunha-cineasta, até agora anônima, que fez questão de registrar a cena para a eternidade – num comportamento de grande dignidade, capaz de vencer o medo, permitindo que um país de 210 milhões possa testemunhar um crime horrendo. 

Cena típica do regime de ódio reforçado instalado no país, animado pelo presidente da República e estimulado por um ex-ministro da Justiça capaz de liberar a violência contra os desprotegidos através de uma sinistra figura jurídica chamada excludente de ilicitude, é muito cedo para saber as consequências práticas da tragédia de Porto Alegre. 

Pode ser uma nova repetição do escândalo da Favela Naval, reportagem exibida pela TV Globo em 1997, que exibia integrantes da PM paulista que espancavam, humilhavam, torturavam e executavam cidadãos indefesos em Diadema, no ABC paulista. 

Ou pode ser o início de uma nova história, um grão de mudança positiva, quem sabe? 

Em horas terríveis como este, vale seguir o exemplo da testemunha que cumpriu o dever de registrar o que viu e ouviu. Graças a este gesto, o país inteiro sabe o que aconteceu na porta de um supermercado Carrefour na noite de 19 de novembro de 2020 – e tem o direito de exigir que os fatos sejam apurados e os responsáveis, julgados e punidos.

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Fonte: Brasil 247