(crédito: JUSTIN TALLIS / AFP)

Em ofício enviado em fevereiro deste ano, o ex-secretário-executivo Elcio Franco encaminhou as tratativas à pasta palaciana. Na ocasião, alegou que a análise do contrato extrapolava a capacidade do ministério comandado à época por Pazuello

Em ofício enviado no dia 17 de fevereiro deste ano, o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco, o ‘número 2’ da pasta sob a gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello, passou à Casa Civil a atribuição de negociar as vacinas da Pfizer e da Janssen sob alegação de que os contratos extrapolavam “a capacidade” da pasta.

“Diante do exposto e em virtude das limitações jurídicas vislumbradas para a contratação em conformidade com a legislação brasileira, entende-se que a presente análise extrapola a capacidade de o Ministério da Saúde em prosseguir com a negociação para contratação”, diz o documento enviado à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 em caráter sigiloso e obtido pelo Correio. Franco afirmou que “em continuidade às tratativas iniciadas ainda em 2020”, o ministério havia recebido recentemente minutas de proposta de contrato da Janssen e da Pfizer, e as encaminhou à Casa Civil.

À CPI, o ex-ministro Pazuello afirmou que conversou com o presidente Jair Bolsonaro durante todo o processo de negociação da Pfizer. “Ele foi informado por mim, em todo o processo, que começou em julho (de 2020) até março (de 2021), quando contratamos a Pfizer”, disse. Ele informou, ainda, ter se reunido com a empresa por videoconferência no dia 3 de março para informar sobre a aprovação da Lei 14.125, do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em meio a pressões contra o governo para que adquirisse mais imunizantes. A lei autorizava estados e municípios a adquirir vacinas contra covid-19 e assumir responsabilidade em relação aos efeitos adversos.

Ao longo de toda a negociação com a Pfizer, autoridades do ministério e o próprio presidente afirmavam que o contrato não poderia ser assinado devido ao teor de cláusulas contratuais. Uma delas isentava a empresa de efeitos colaterais. A empresa, por sua vez, frisou que as cláusulas apresentadas estavam em linha com os acordos fechados em outros países do mundo. Apesar de várias ofertas desde agosto do ano passado, com previsão de entrega de imunizantes a partir de dezembro de 2020, o governo não assinou o contrato com a empresa.

Óbices jurídicos

O referido contrato só foi assinado com a Pfizer e a Janssen no dia 15 de março deste ano. No ofício, o coronel Franco afirma que a edição da Medida Provisória 1.026, de 6 de janeiro, “possibilitou o prosseguimento das discussões jurídicas e a contratação de vacinas contra covid-19”, mas que “ainda há óbices jurídicos para o prosseguimento das negociações com algumas desenvolvedoras de vacinas, mormente quanto aos laboratórios” da Pfizer e da Janssen.

Junto ao ofício, o ex-secretário enviou as minutas de proposta de contrato da Janssen e da Pfizer, e afirmou que elas foram remetidas à consultoria jurídica do ministério para análise. “Tão logo seja emitido parecer daquela especializada, encaminharemos a essa Casa Civil. Considerando a importância de aquisição tempestiva de imunizantes contra a covid-19 para disponibilizar à população brasileira, solicito a apreciação e as providências necessárias para viabilizar essas aquisições, dentro dos dispositivos leais, com a urgência que o caso requer”, informou Elcio Franco.

A referida MP foi convertida na lei 14.124, em março, após aprovação no Congresso. Ela visava facilitar a compra de vacinas, permitindo dispensa de licitação e que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pudesse dar autorização excepcional e temporária para importação e uso de vacinas mesmo sem estudo fase 3 concluído. A lei estabelecia, no entanto, registro prévio por autoridades sanitárias estrangeiras dos Estados Unidos, União Europeia, do Japão, da China, do Reino Unido, do Canadá, da Coreia do Sul, da Rússia, da Argentina, da Austrália e Índia.

A inclusão da Índia na MP foi feita por emenda pelo líder do governo, deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), o que possibilitou a importação do imunizante. Barros era ministro da Saúde à época em que a empresa Global Saúde, sócia da Precisa Medicamentos, segundo o Ministério Público Federal (MPF), negociou um contrato para venda de medicamentos ao governo federal, mas não os entregou.

O fato gerou uma ação de improbidade administrativa contra Barros e outros servidores. A Precisa é a representante da Bharat Biotech no Brasil, produtora da Covaxin. O contrato entre ela e o governo foi assinado no dia 25 de fevereiro, e é alvo de apuração da CPI.

Na CPI, Elcio afirmou que os contratos para aquisição de vacinas começaram a ser assinados a partir da MP, “com exceção da vacina da Pfizer e da Janssen”, por causa das cláusulas, segundo ele, relativas a efeitos adversos. Isso só foi possibilitado com a Lei 14.125, em março. Franco disse, ainda, que o ministério propôs uma MP que atenderia às demandas da Pfizer e da Janssen.

“E houve uma falta de consenso entre as consultorias jurídicas dos ministérios que estavam participando da discussão com relação a de quem deveria partir a iniciativa, uma vez que deveria ser convertida em lei. E, dessa forma, esses artigos ou parágrafos foram retirados da medida provisória que se configurou, se materializou na Medida Provisória 1.026.

Além disso, a legislação precisava ser adequada”, disse, ressaltando que no caso da Pfizer e da Janssen, havia ainda necessidade da Lei 14.125, devido às “cláusulas que foram chamadas de leoninas”.

Entraves

Na CPI, os senadores observam um movimento muito positivo por parte de autoridades do governo em relação à Covaxin, enquanto outros imunizantes, como a Pfizer, sofriam sucessivos entraves. A empresa ofereceu, por exemplo, em agosto do ano passado, 70 milhões de doses de vacina, com previsão de início de entrega a partir de dezembro, mas não houve resposta por parte do governo.

O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apontou que a empresa enviou 81 e-mails ao governo federal buscando negociar a vacina. Um deles, obtido pelo Correioenviado pelo presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, a Elcio Franco, em 2 de dezembro do ano passado, mostra a insistência em garantir contato com o governo brasileiro. No e-mail, Murillo pede por uma resposta à última oferta de vacinas contra covid-19, ressaltando que a tentativa de parceria durava já seis meses e que esta seria a última chance para o Brasil obter doses que estavam reservadas para o país.

Fonte: Correio Braziliense