Desde que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uniformizou parâmetros para as audiências concentradas no sistema socioeducativo, tribunais de todo o país têm fortalecido a prática que consiste na reavaliação periódica do cumprimento de medidas aplicadas a adolescentes autores de ato infracional.
O objetivo é obter maior racionalização nas responsabilizações de forma alinhada a princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completou 31 anos na terça-feira (13/7).
“O ECA determina que a medida privativa da liberdade está sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição de pessoa em desenvolvimento.
Nesse sentido, as audiências concentradas buscam dar celeridade processual a partir da articulação entre Sistema de Justiça, rede de proteção, o próprio socioeducando e sua família.
A ideia é compartilhar responsabilidades para o alcance do objetivo da responsabilização”, explica o juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Antonio Tavares.
No Amapá, por exemplo, a normativa do CNJ subsidiou o Tribunal de Justiça na realização da 1ª Semana de Audiências Concentradas no Socioeducativo, que resultou na extinção de 25% dos processos e na conversão de medida de meio fechado para liberdade assistida em outros 19%.
“As audiências permitem uma escuta diferenciada, acessando aspectos que por vezes não estão em relatórios.
Os próprios adolescentes se mostram mais engajados no cumprimento das atividades previstas no Plano Individual de Atendimento, contribuindo para o êxito da medida socioeducativa proposta e abreviando sua duração”, destaca a titular do Juizado da Infância e Juventude na capital, juíza Laura Costeira Araújo de Oliveira.
O TJAP também publicou a Resolução 1.431/2021, com diretrizes para a implementação da prática por magistrados e magistradas que atuam no sistema socioeducativo em todo o estado.
O estabelecimento de uma normativa local a partir das diretrizes do CNJ também está em elaboração pelo Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB).
“A resolução que está sendo construída no âmbito do TJPB visa coroar a experiência já adotada no estado e criar uma linha mestra que fortaleça o diálogo multi-atores, com a participação efetiva da rede de proteção”, detalha o juiz da Infância e Juventude da Comarca de Campina Grande, Hugo Gomes Zaher.
As audiências são trimestrais e privilegiam o espaço de escuta da família, da rede, de adolescentes socioeducandos e dos profissionais.
“Nessa construção coletiva, potencializa-se a análise multidimensional do plano individual de atendimento do jovem, com vistas à repactuação das metas caso seja necessária a manutenção da internação ou mesmo as medidas para garantir sua emancipação subjetiva a partir de sua desinternação, em um diálogo intersetorial com a rede de proteção”, explica o magistrado, destacando que mais importante do que contribuírem para equacionar a ocupação de vagas, as audiências concentradas humanizam o Sistema de Justiça.
Sensibilização
No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), as audiências concentradas foram tema da Jornada Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, promovida pela Coordenadoria da Infância e da Juventude (CEIJ).
O coordenador da CEIJ, juiz José Dantas de Paiva, destaca que a atividade buscou sensibilizar magistrados e servidores para a importância do tema, tendo como referencial as diretrizes da Recomendação CNJ n. 98/2021.
“A Coordenadoria da Infância e da Juventude tomou a iniciativa de promover esse diálogo logo após a publicação da normativa do CNJ, que veio em boa hora diante dos desafios para sua implementação.”
O TJRN prepara uma segunda etapa de diálogos sobre o tema, agora com foco na rede de instituições que atuam em conjunto com o Judiciário – como órgãos de assistência social, saúde, educação e profissionalização.
Também está sendo elaborado projeto-piloto de implementação das audiências concentradas pela Vara de Execução de Medidas Socioeducativas de Natal (RN), com início previsto para outubro.
“A proposta é que o projeto-piloto, que seguirá os fluxos e parâmetros orientados pela normativa do CNJ, nos dê subsídios quanto aos caminhos para a disseminação da prática para todo o estado.”
A sensibilização para o tema e o compartilhamento de experiências também está entre os mecanismos adotados pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que prepara evento voltado a magistrados e magistradas de todo o estado a partir do exemplo da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Londrina (PR), que desde 2017 promove audiências trimestrais.
Segundo a juíza Cláudia Catafesta, a reavaliação de medidas somente por meio de relatório prejudica a escuta qualificada do adolescente e de sua família e os próprios objetivos da medida.
“As audiências concentradas permitem concretude para o processo socioeducativo do adolescente, com alto potencial de desinternação, não reiteração da conduta infracional e de impactos na superlotação na unidade socioeducativa, que hoje opera abaixo da sua capacidade.”
O evento sobre audiências concentradas no socioeducativo será realizado em uma estratégia conjunta do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Sistema Socioeducativo do TJPR, o Conselho de Supervisão dos Juízos da Infância e Juventude e o Fórum Estadual da Infância e Juventude e terá a Recomendação CNJ n. 98/2021 como parâmetro de aplicação.
Manual
Boas experiências na área estarão em um Manual que o CNJ prepara para apoiar a implementação das audiências concentradas em todo o país, considerando os avanços já realizados em estados como Bahia e Espírito Santo, que aprovaram normativas sobre o tema, e Acre e Mato Grosso, que estão em negociação para a implantação do serviço.
A publicação reunirá informações sobre a prática em estados como Amazonas e Pernambuco – pioneiros na adoção do mecanismo na justiça juvenil.
O material trará ainda aspectos das interseccionalidades presentes no sistema de privação de liberdade e um passo-a-passo sobre como magistrados e magistradas podem implementar as audiências concentradas.
O conteúdo irá ainda subsidiar atividades formativas com atores do sistema de justiça e da rede de proteção social em todo o país, em oficinas que devem ser iniciadas em agosto.
A estratégia é implementada com apoio técnico do programa Fazendo Justiça, uma parceria entre CNJ e o Programa das Nações Unidas (PNUD) para enfrentar desafios estruturais dos sistemas de privação de liberdade.
“O objetivo é auxiliar o trabalho dos magistrados e demais profissionais no sentido de incrementar o acompanhamento das medidas socioeducativas, assegurando a qualificação da extinção ou substituição da medida, tendo como base os princípios da brevidade, legalidade, garantia de direitos e cidadania”, destaca a coordenadora do Socioeducativo do programa Fazendo Justiça, Fernanda Givisiez.
Fonte: Dourados Agora