Publicado originalmente no perfil de Facebook do autor
ARMÍNIO FALA DE PROJETOS E DE FUTURO.
NÃO ENROLA NINGUÉM COM LEGADO E VITIMISMO
O DEBATE PÚBLICO de alternativas para o futuro acaba de ganhar um craque: Armínio Fraga. Sim, ele mesmo, o banqueiro, o homem do dinheiro, o fiel escudeiro de George Soros, o sócio da Gávea Investimentos, uma das estrelas da Casa das Garças e ex-presidente do Banco Central no II reinado de FHC. Um neoliberal de boa cepa, com vantagens adicionais, como preocupação social e reivindicando seu lugar na esquerda. “Mas uma esquerda para valer, não uma esquerda que fica dando dinheiro para rico”, sublinha. A estocada na máxima de que “os banqueiros nunca ganharam tanto quanto em meu governo” é clara e direta.
O FINANCISTA DÁ UM SHOW DE BOLA em entrevista para Lígia Guimarães, da BBC. Armínio não exalta nenhum legado tucano, não se derrete em saudosismo estéril e chuta a bola para frente. Seu jogo visa ocupar o imenso espaço vago do centro até a esquerda e – surpresa! – se colocar como polo oposto a Bolsonaro.
Não à toa repudia o nazismo e o extremismo que podem prejudicar a economia. Implicitamente critica a política externa alucinada dos dias atuais, prega a redução das desigualdades via ação do Estado – e não apenas “da pobreza” – e defende investimentos “em áreas sociais”, como educação, saúde e transporte públicos de qualidade. Deplora o descaso com o meio ambiente e recupera bandeiras liberais, como a necessidade de se enfrentar a “desigualdade de gênero, de raça [e a] homofobia”. O incrível é que o conselheiro de Luciano Huck se coloca – em alguns tópicos – com mais ousadia do que a esquerda que já foi governo. Ele se opõe a cortes de investimentos públicos – “no fundo, é comer semente” – e prega uma reforma tributária para taxar os mais ricos.
PODE-SE DUVIDAR DE SUA SINCERIDADE aqui e ali, mas é bobagem combatê-lo por esse viés. Sublinhe-se: Armínio tem projeto na cabeça.
Mas não nos entusiasmemos. Como todo neoliberal, o ex-presidente do BC avalia que o Estado gasta em demasia, em especial com o funcionalismo. O pretexto é o de sempre: “ter dinheiro para (…) investir mais” no social. A proposta é conservadora, mas nada que o coloque em oposição a quem, em palácio, realizou o “maior ajuste fiscal da História”. Aliás, há convergências entre Armínio e a esquerda fiscalista. Ambos defendem a necessidade de mudanças na Previdência de tempos em tempos, a aceitação tácita das reformas 2016-2020 e não falam claramente em indústria e desenvolvimento.
O LIBERAL COM SENSIBILIDADE SOCIAL é o personagem da hora e tende a ganhar espaço midiático nos próximos meses. Não adianta reclamar de quem faz o jogo correto, a partir de seu ponto de vista de classe.
A esquerda precisa apresentar um projeto alternativo, que fale de coisas concretas, como emprego, salário e vida melhor. Ou melhor, nós da esquerda precisamos. É urgente parar de achar que egocentrismo e saudosismo resolvem todos os problemas.
(Justiça seja feita: há valorosas exceções do lado de cá).
Fonte: DCM