Especialistas convidados pela Comissão Temporária da Covid-19 apontam a reforma do Imposto de Renda, a situação fiscal — que inclui os precatórios — e as crises hídrica e energética como grandes desafios de curto prazo para a retomada do crescimento econômico.
Eles participaram na segunda-feira (4) de uma audiência pública, sob o comando do senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), sobre as medidas a serem tomadas para mitigar a crise no pós-pandemia.
Ex-ministro da Fazenda e atual secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles apontou outros dois problemas a serem superados até o ano que vem: as incertezas políticas, comuns em anos eleitorais, como 2022, e as incertezas orçamentárias.
É preciso escolher prioridades para que se respeito o teto.
O teto foi feito justamente para isso, definição do que é mais importante. Isso é essencial no planejamento público — afirmou.
O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) manifestou descrença na realização de reformas relevantes e disse ter medo de um populismo fiscal por parte do governo no ano de eleições que está por vir.
Temos hoje reforma do Imposto de Renda que sinceramente não sei se será votada esse ano ou não. Temos também uma reforma mais ampla, mas não vejo empenho por parte do Ministério da Economia, que, no fundo quer mesmo uma reforma fatiada; quer muito mais um remendo e criar mais um imposto sobre lucros e dividendos — avaliou.
O senador Esperidião Amin (PP-SC), por sua vez, disse ser preciso respeitar o teto de gastos, mas que em relação aos investimentos, principalmente em infraestrutura, poderia haver uma flexibilização. O parlamentar também defendeu o que chama de reindustrialização inteligente.
Reindustrialização inteligente não é proibir importação, é reduzir dependência externa. E, para isso, nós temos que ter coragem.
Se o Congresso não é confiável, vamos trocar os congressistas; mas nós temos que ter a capacidade de investir seletivamente — avaliou.
Taxa de crescimento
Para Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), a fragilidade da política fiscal continua sendo o problema crucial para o governo.
Ele explicou que o quadro de baixo dinamismo combinado com pressão inflacionária leva o Banco Central a aumentar a taxa de juros, e isso produzirá feitos importantes no ano que vem.
Com o juro médio mais alto, as decisões de investimento, de consumo e de tomada de crédito vão provavelmente minguar.
E é por isso que as projeções de mercado têm apontado taxas de crescimento muito mais baixas para o ano que vem, na faixa de 0,5% a 1,5% para 2022.
Nossa projeção atual, no cenário base, que é o mais provável, é em torno de 1,7%, mas com viés de baixa. Provavelmente será um crescimento menor — previu.
O economista fez críticas ao PL 2.337/2021 que altera o Imposto de Renda e está em tramitação no Senado. Para ele, a proposta já saiu da Câmara com problemas e terá efeito líquido negativo para o erário.
Isso preocupa, porque o projeto vem sendo defendido pelo governo como uma forma de compensar o aumento de gastos sociais.
O que não é plausível, porque o projeto é negativo em si, quer dizer, não sobrariam recursos para financiar o novo programa social ou mesmo o aumento do Bolsa Família.
Outras formas de financiamento terão que ser encontradas e, sobretudo, o caminho difícil, que é o corte de gastos — disse Salto.
Orçamento
O consultor de Orçamento do Senado Fernando Moutinho disse que o pior da pandemia de covid-19 pode ter acabado, mas ficaram os estragos graves e o esforço de reconstrução é enorme.
Temos uma demanda gigantesca para reconstrução. Não dá pra varrer para debaixo do tapete. Ou se reconstrói ou se continua a gastar com o que sempre se gastou.
Ou seja, temos novas e cruciais emergências. Mas o mecanismo orçamentário tem meios para lidar com isso — declarou.
Um dos meios, segundo ele, é a realocação de verbas. Conforme o especialista, para 2022 estão previstos R$ 70 bilhões “absolutamente privilegiados”, que têm alocação garantida.
Para ele, apesar de legítimos, são questionáveis: R$ 8,4 bilhões para fundos constitucionais; R$ 24 bilhões para o BNDES; R$ 1 bilhão para fundo partidário; R$ 10 bilhões para fundo eleitoral; R$ 26,3 bilhões para o Sistema S.
Será que o mecanismo orçamentário não consegue enxergar ou apontar a necessidade de uma realocação emergencial, a curto prazo, ainda que seja por algum período, para esses processos de reconstrução, a fim de atender essas emergências pandêmicas ou não? — indagou.
Trabalhadores
Na análise do presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do Comércio de São Paulo, José Pastore, um dos efeitos devastadores da pandemia se deu no rendimento médio real dos trabalhadores, que tem caído de forma acentuada, refletindo diretamente no consumo. Para piorar, a renda do trabalhador tem sido corroída pela inflação.
Pastore observou também que, enquanto a economia não tiver uma retomada consistente, muitas empresas continuarão em dificuldades e precisarão ainda de benefícios como a suspensão dos contratos e redução de jornada.
No mercado de trabalho, o quadro exige reconstrução que levará vários anos, não há bala de prata para inverter o quadro.
Emprego depende de investimento, crescimento e educação, que são três coisas comprometidas no Brasil de hoje — analisou.
Pastore ainda sugeriu investimento em infraestrutura, visto que os recursos investidos no setor tem efeito multiplicador grande.
Ele apontou a importância de projetos nas áreas de transporte, energia, saneamento e telecomunicações. E mencionou o plano de investimentos implementado pelo presidente norte-americano Joe Biden nos Estados Unidos.
Relatório
No fim da reunião, o vice-presidente da comissão, Styvenson Valentim (Podemos-RN) pediu a colaboração dos demais integrantes do colegiado para que compareçam na votação do relatório final, previsto para 25 de outubro.
O relator é o senador Wellington Fagundes (PL-MT).
Fonte: Dourados Agora