O Sri Lanka, uma ilha no Oceano Índico localizado abaixo da Índia, enfrenta há alguns meses o que é considerada a pior crise no país desde a sua independência, no fim dos anos 1940. Com uma inflação acima de 18%, a escassez de combustíveis já levou a protestos, feridos e à renúncia do primeiro-ministro.
Neste sábado, manifestantes invadiram a residência oficial do presidente do Sri Lanka em Colombo. Mais de 100 mil pessoas se reuniram do lado de fora do imóvel, pedindo que o líder, Gotabaya Rajapaksa, renuncie por causa da crise econômica do país.
Um vídeo transmitido pela televisão do Sri Lanka mostrou manifestantes entrando na casa do presidente – escritório e residência de Rajapaksa na capital comercial – depois de romper os cordões de segurança colocados pela polícia.
O país é a 64ª maior economia do mundo atualmente, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), e enfrenta uma combinação de problemas próprios e comuns a uma série de nações.
O cenário inflacionário do país piorou especialmente a partir de outubro de 2021. Desde abril de 2022, o índice oficial de inflação segue acima dos dois dígitos, sem sinais de ter atingido um pico.
Em 6 de junho, o novo primeiro-ministro do Sri Lanka, Ranil Wickremesinghe afirmou que o país está “falido”, e que milhões de pessoas enfrentam dificuldades para comprar produtos básicos como alimentos, remédios e combustíveis.
Causas da crise
Pouco antes de Wickremesinghe falar sobre a situação do país, o ministro de Energia Kanchana Wijesekera avaliou que a crise atual seria inevitável, mas foi acelerada pelo cenário externo.
“Em termos de combustível e alimentos, nosso país teria que enfrentar essa crise em algum momento. O combustível era escasso. Os preços dos alimentos subiram”, disse.
Segundo ele, crises internacionais como a guerra na Ucrânia e a pandemia de Covid-19 pioraram o quadro.
O preço do petróleo, por exemplo, disparou ao longo de 2021 e nos primeiros meses de 2022, chegando ao maior nível desde 2008. Ele chegou a superar os US$ 120, e segue acima de US$ 100.
Como o valor no mercado internacional vale para todos os países, os preços subiram ao redor do mundo, inclusive no Sri Lanka, encarecendo e dificultando a importação e levando não apenas à alta no valor dos combustíveis, mas também a uma escassez do produto.
Em mais de uma ocasião, o governo anunciou que ficaria sem combustíveis em poucos dias, e passou a depender de fornecimentos emergenciais de outros países.
A escassez levou não apenas a filas em postos, mas também à necessidade de o governo tomar medidas para reduzir a locomoção da população.
As aulas foram suspensas, funcionários do governo foram incentivados a trabalhar em home office e o combustível passou a ser fornecido apenas a serviços considerados essenciais, com aeroportos e portos podendo ter racionamentos.
Indústrias importantes para o país, como a de vestuário, têm combustível para até 10 dias, segundo relatos do governo.
À Reuters, uma fonte do governo da ilha disse que o consumo diário de gasolina e de diesel no país era de, respectivamente, 3 mil e 5 mil toneladas. No dia 26 de junho, o governo tinha 9 mil toneladas de diesel e 6 mil de gasolina em estoque, sem previsão de novos embarques.
Além disso, a alta nos preços teve um efeito em cadeia, atingido outros produtos como alimentos e remédios devido aos custos maiores de transporte.
Para Wijesekera, “devido às recentes crises globais, essa situação se agravou e nós que estávamos na frigideira caímos no forno”.
A expectativa atual do governo é que a inflação do Sri Lanka, atualmente acima de 18%, poderá chegar a 60% até o fim do ano.
Entretanto, o cenário piorou por alguns elementos estruturais da economia do Sri Lanka.
Na última década, o governo realizou grandes empréstimos internacionais para expandir serviços públicos. Desde 2016, porém, o país passou por uma série de problemas, como danos à produção agrícola devido a monções, uma crise constitucional em 2018 e um ataque terrorista em 2019.
No mesmo ano, o recém-eleito presidente Gotabaya Rajapaksa cortou impostos para estimular a economia.
Quando a pandemia começou, em 2020, o Sri Lanka precisou fechar as fronteiras, o que acabou levando a uma queda na entrada de divisas estrangeiras e problemas econômicos em um país fortemente dependente do turismo.
Nesse cenário, o déficit governamental disparou, os investimentos estrangeiros foram sendo retirados e as reservas se esgotando.
Um levantamento da agência de classificação de risco Austin Rating aponta que a rúpia do Sri Lanka foi a moeda que mais se desvalorizou entre 120 países, caindo 43,6% de 1 de janeiro até 30 de junho. Como ocorre em outras economias, os preços de produtos importados dispararam, piorando o quadro inflacionário.
Consequências
O efeito mais concreto da disparada dos preços no país são as longas filas para abastecer carros ou comprar produtos. Além disso, o governo já declarou oficialmente falência, sem capacidade de honrar pagamentos para investidores estrangeiros.
O cenário da economia levou a um aumento da insatisfação popular, que resultou em uma série de protestos contra o governo e consequentes conflitos com apoiadores do governo na capital do país, Colombo. Um toque de recolher nacional chegou a ser imposto.
Os protestos não cessaram apesar da repressão do governo, e acabaram levando à renúncia do primeiro-ministro Mahinda Rajapaksa após algumas semanas de manifestações.
A troca de Rajapksa por Wickremesinghe não aliviou a crise econômica. Porém, desde então o governo intensificou esforços para obter um auxílio financeiro do FMI para reviver uma economia classificada pelo primeiro-ministro como “colapsada”.
O governo planeja manter cortes de energia entre três a quatro horas por dia pelos próximos dois meses de modo a reduzir gastos. Enquanto isso, espera obter fornecimento emergencial de combustíveis de outros países, como a Índia, até conseguir normalizar as importações.
Wickremesinghe afirmou que as negociações com o FMI têm sido “difíceis”, já que a nação realiza os diálogos dentro da classificação de “país falido”, e não em desenvolvimento.
Nesse cenário, ele avalia que “somente quando eles estiverem satisfeitos com esse plano podemos chegar a um acordo em nível de equipe. Este não é um processo simples”.
As negociações envolvem a apresentação de um relatório sobre reestruturação e sustentabilidade da dívida que deve ocorrer até agosto. A expectativa é que o pacote de ajuda seja de US$ 3 bilhões.
Caso os dois lados cheguem a um acordo, haverá a preparação de um programa abrangente de assistência a empréstimos por quatro anos. Até lá, não há perspectiva que a situação do Sri Lanka mude.
“Esta será uma jornada difícil e amarga”, disse Wickremesinghe aos parlamentares do país. “Mas podemos obter um alívio no final desta jornada. Progresso pode ser feito”.
O temor agora é que a frustração das pessoas com o governo possa aumentar, segundo Paikiasothy Saravanamuttu, diretor executivo do Centro de Alternativas Políticas, com sede em Colombo.
“Vai ter que ficar muito pior antes de melhorar”, disse Saravanamuttu. “Há muito ódio e raiva contra o presidente e o gabinete”.
*Com informações da CNN e da Reuters
Compartilhe: