Roque de Sá/Agência Senado

Especialistas que participaram de audiência na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE)  na terça-feira (5) foram unânimes em apoiar a instituição do Dia Nacional em Memória das Vítimas de Trânsito.

Autor do Projeto de Lei (PL) 5.189/2019, que institui 7 de maio como o dia de homenagem às vítimas, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) explicou que foi nessa data que o então deputado estadual Fernando Ribas Carli Filho, dirigindo embriagado em Curitiba, em excesso de velocidade e com a CNH cassada, colidiu com o carro em que estavam Gilmar Rafael Souza Yared e Carlos Murilo de Almeida.

“Dois jovens em tenra idade que tiveram as vidas ceifadas por um homem que deveria, acima de todos, respeitar as leis”, expôs Contarato, que já foi delegado de delitos de trânsito por mais de dez anos e diretor-geral do Departamento Estadual de Trânsito do Espírito Santo (Detran-ES).

Passou da hora de o poder público ser mais humanizador. Humanizar a dor, se colocar na dor do outro.

Ter a empatia. Sabemos que, infelizmente, o Brasil é um dos países que ocupa uma das primeiras colocações em violência no trânsito.

E sabemos que a nossa legislação, lamentavelmente, banaliza a vida humana em muitos aspectos. O único condenado é a família da vítima que chora com a dor da perda e a certeza da impunidade.

Para o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), é preciso discutir o tema e lembrar de todas as vidas perdidas por irresponsabilidade, negligência, culpa ou dolo.

Styvenson é capitão da Polícia Militar do Rio Grande do Norte e tornou-se conhecido ao coordenar fiscalizações da Lei Seca no estado.

Isso sim deveria ter prioridade. Precisamos saber onde estamos errando. Nenhum país mata tanto por ano como o nosso.

É falta de legislação mais rígida ou não está sendo aplicada na ponta?  — questionou o senador.

Ações

Com grande impacto social e na saúde, os sinistros de trânsito ocasionaram em 2020 a morte de 30,1 mil pessoas e levaram outras 187,7 mil a internações no país. Os números foram apresentados pelo coordenador-geral de Educação e Saúde para o Trânsito, da Secretaria Nacional do Trânsito (Senatran), Everaldo Valenga Alves.

O coordenador indicou que o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito norteia as ações dos órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional de Trânsito (SNT).

No curto prazo, a proposta é trabalhar campanhas massivas, em conjunto com fiscalização e engenharia.

No médio, a capacitação e orientação de todos os grupos que atuam no STN e, a longo prazo, a formação do cidadão.

Para o próximo ano, estão previstos R$ 11 milhões para ações educativas a serem desenvolvidas pelo Senatran.

A formação do cidadão é fundamental. Não adianta apenas punir nossos adultos, precisamos trabalhar os nossos jovens, para que o trânsito futuro seja cada vez melhor.

A diretora-técnica do Departamento Estadual de Trânsito do Espírito Santo (Detran-ES), Édina de Almeida Poleto, também ponderou que ações integradas funcionam e que experiências implementadas pelo órgão — como ações educativas em entradas e saídas de shows — mostram resultados.

Precisamos ter a consciência de que precisamos sempre fazer mais.

Mortes no trânsito

O diretor científico da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Flávio Emir Edura condenou flexibilizações na lei quando o assunto é trânsito.

Edura lembrou que lesões causadas por sinistros de trânsito são hoje, no Brasil, a primeira causa de morte entre os 5 e 29 anos; e a terceira, entre 30 e 44 anos.

Em uma hora, ocorrem cinco mortes, 20 internações e uma pessoa passa a ser cadeirante a partir desses sinistros.

Chama a atenção, segundo o diretor da Abramet, o fato de os motociclistas representarem mais de 50% das vítimas fatais e mais de 70% dos leitos hospitalares ocupados nas unidades de trauma.

Esse projeto de lei traz um conforto e chama atenção para o que estamos trabalhando. Projetos como esse nos levam a concluir que vamos conseguir vencer essa batalha — afirmou Edura, ao citar ganhos como os estabelecidos pela Lei 14.071, de 2020, que aumentou a idade de crianças transportada em motocicleta, motoneta ou ciclomotor (passou de sete para dez anos).

Ao se classificar “pai órfão de filho”, o presidente da ONG Trânsito Amigo, Fernando Alberto da Costa Diniz, apresentou o movimento “Eu ‘cinto’ a vida”, para impulsionar o uso do cinto de segurança, utilizado por 90% dos brasileiros nos bancos da frente, mas recorrentemente esquecido no banco traseiro.

Diniz perdeu um filho aos 20 anos, que estava no banco traseiro, sem cinto de segurança, quando do momento do acidente.

Ao lutar pela segurança no trânsito, Diniz acredita ser importante que a data nacional coincida com o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Trânsito — sempre no terceiro domingo de novembro — assim definido pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Isso não particulariza nenhum caso específico, no meio de milhões de mártires no asfalto brasileiro, e se une ao esforço mundial de promover maior conscientização no trânsito e reforço ao respeito à vida humana.

A celebração que acontece nesse dia tem dois vieses: amplificaria a voz da consciência e renderia homenagens àqueles que partiram prematuramente por conta de um trânsito sempre egoísta e hostil.

O Observatório Nacional de Segurança Viária, instituição social com 300 observadores, também é favorável ao projeto de lei que institui a data nacional.

Apoiamos e faremos todo o movimento possível para que tenhamos um dia nacional. Não só teremos isso como um norte, mas vamos fazer dele um momento de reafirmar forças para que possamos construir um trânsito em que sejamos capazes de construir vidas.

E construir um trânsito seguro não é tarefa do Estado, das autoridades, somente de um grupo, é uma responsabilidade de todos nós — disse o representante do Observatório, Francisco Vieira Garonce.

Pandemia

Diretora científica da Associação Brasileira de Psicologia de Tráfego (Abrapsit), Julianna Guimarães afirmou que o mundo vive uma pandemia silenciosa há décadas com as mortes oriundas dos sinistros do trânsito.

Diversas pesquisas, nacionais e internacionais, sobre os maiores índices de infração no trânsito, revelam que qualitativamente as mais recorrentes são de cunho comportamental e ocorrem de maneira reincidente, ou seja, o ser humano, por meio de seus comportamentos, estabelece como o trânsito acontece.

comportamento de risco, exacerbado pelo estresse, agressividade, desrespeito e as mais diversas condições psicológicas, tornou o trânsito um problema de cunho social.

Não é possível quantificar a desestruturação de famílias pela conjuntura dos sinistros que causaram mortes ou sequelas, segundo Julianna.

Um acidente de trânsito não gera apenas prejuízos físicos, sociais ou econômicos. Há um sofrimento psíquico e emocional silencioso que necessita de atenção.

Nessa linha de comparação com uma pandemia, o coordenador-geral da Associação Brasileira de Educação de Trânsito no Nordeste (Abetran), Luis Carlos Paulino considera que a vacina é a educação.

A educação tende a desestimular a conduta de risco. No plano ideal, deveria convencer a maioria das pessoas a cumprir as normas. Enquanto a fiscalização vai atuar quando a conduta de risco já se materializou.

Fonte: Dourados Agora